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Poemas inéditos do escritor mineiro Plínio Fernandes Toledo

Allemande

Nós somos feitos da mesma
Matéria de que são feitos os signos;
Não somos tecidos de sonhos
Somos grafados na memória,
Como se tivéssemos substância,
Embora não haja nada em nós que
Fica ou que nos identifica, pois
A cada hora, a cada minuto, a cada
Segundo, esvaziamos nosso ser
Sem compreender que apenas
O que fugiu compõe nossa
Essência, mas somente na medida
Em que é salvo pelo signo,
Que nos arranca do turbilhão
E nos concede alguma firmeza,
Alguma imagem em que nos
Mirar como se fôssemos reais,
Em nossa irrealidade que é feita de
Linguagem, de um pouco de memória
Que a palavra guarda em seu
Cofre de significados e estruturas.
Lá estamos nós coordenados,
Subordinados ou presentes como
Algum resíduo que sobrou
De uma cadência, de um movimento,
De uma vertigem que nos tira o
Solo e nos deixa em movimento
Até que o signo nos inventa e cria
Uma aliança entre a memória e o ser
E nos alcança como uma dança
Um jogo de regras
Em que somos
Ao nos perdermos.




As ligações de amizade são mais
fortes que as do sangue da família.

É (…) melhor arrepender-se por ter feito
alguma coisa do que por não ter feito nada.
                                       Giovani Boccaccio

Aquele que contra o amor recorre à razão e
à virtude age como quem eleva a voz em meio à tempestade.
                                             Dante Alighieri
Ravena

Vivo agora em paz em terras florentinas
Onde o amor e a morte estreitam laços
E longe do poeta soberano, tento, num esforço
Da imagem, pensar as noites frias de Ravena,
Onde, no exílio, Dante sonha seu poema:
E em cada verso há trabalhado o plano
De traçar em uma só viagem as arcanas
Maravilhas que contemplou em seu destino,
Desde as contradições da condição humana,
Até as dores e as decepções amorosas
Que soube tão bem cantar em sua prosa
Poética, no Convívio e na Vida Nova.
Da flor do lácio à minha herança lusitana,
Da Via del Corso ao passeio divino,
Da escura selva, cuja via verdadeira era perdida,
E no perder-se nela quase me foi inteira a vida,
Vejo o poeta que amou sua Toscana,
Tanto que aceitou a solidão e o desengano,
Por entregar a ela uma figura cuja força
É tamanha que não há valor que meça.

Canta ele agora a escuridão do inferno,
Há de cantar em breve o amor e a luz divina,
Quando sua alma num abraço eterno
Com a unidade que ordena o universo
Terá terminado enfim o último verso
E terá cumprido a imposição mais dura
De desenhar em calculada arquitetura,
Projetada segundo um rigor adamantino,
Todos os trajetos e todos os desatinos
Pelos quais passou e passará toda criatura
Que vem vagando nessa terra, a esmo,
Quase sem rumo e em busca de si mesma,
Vagando os planos na ordenação do Cosmo.

Quando o poeta terminar a última linha
Da Comédia, na qual já se adivinha
A resolução de todos os conflitos,
Cozido enfim o último verso, num aflito
Parecer do grave rumo que nos encaminha
A busca incansável de auto redenção
Baterá num mesmo tom o mesmo coração
E a sua alma terá encontrado a minha
E selado nosso infindo amor sem condição:
Somente então a sombra de sua presença
Terá tocado, enfim, o solo de Florença.



Valor

                   “O apreço não tem preço …”
                                             A Blanc

Era um costume
Comum
Quando se dava
Um presente
Tirar o preço
Do produto
Nesse instante
A mercadoria
Perdia seu
Capital atributo,
Mudando seu estatuto,
Transmutando
Seu valor
Numa única
Alegria,
No calor
De entregar
O que se sente
Sem saber
Se é preciso,
Sem saber bem
O que se queria
Só tornar
O afeto presente

Um bem, uma
Consagração
Da candura,
Da afeição.

É uma regra que sabe
Ter qualquer um,
Que se sabe
De cor,
Está ali diante de nós,
Na nossa frente,
A substância
Do Valor.
Volátil como
Os sentimentos
Emerge por um
Momento
E cria um laço,
Um nó,
Um liame que
Não havia
Que ninguém
Conhecia,
Que se dissolvera
Na troca
E se consolida, agora,
Em troca,
No Uso,
Naquilo que
É preciso
Fazer para se ter,
De novo,
A gratuidade
Do que vale
Porque não tem
Preço,
Somente
O apreço
Que surge
Quando somem
As etiquetas.

Então a lembrança
Restabelece
Um laço
Do querer que
Se completa,
Querer do outro
Como parte que
Se multiplica
No todo,
E se experimenta
por inteiro
Não mais num produto,
Mas no fruto
Do amor
Verdadeiro,
Que só alcança
Completude
No dom
Da Gratuidade.




A Deus vai erigindo com palavras,
O mais pródigo amor lhe foi doado,
                                                (…)
                                    J. L. Borges

Cristiana

Todo amor é diverso, o amor é vário,
Nunca se encontra nos dicionários,
Nem nos corações guardado,
Está em todo lugar, pra todo lado,
Desde a natureza até o calvário,
Quando o amor se fez a dor imensa
Que trouxe à humanidade a recompensa
Pelos males por ela praticados:
No início dos tempos, no pecado
Original e na antiga ignorância,
Que persiste, insiste na distância
Da humanidade corrompida
Pelo afastamento de si, da sua vida
Verdadeira. Separação, fuga, descida,
Rumo à sua própria crueldade iludida,
Sem o amor, sem redenção, sem saída,
Presa do excessivo desejo, decaída,
À espera de quem lhe resgatasse a alma
E pudesse conduzi-la ao rumo certo
Na direção de um horizonte aberto

Pelo amor que tudo pode e tudo sabe,
Que no limite da carne nunca coube,
O amor divino que se encontra em tudo
O que houver de mais sagrado:
“O amor que não espera ser amado”.



Haicai

Naquele olhar há algo
Que me vem e nunca passa
O quê? Ah… sim! A Graça.



Tanka na Praça

Hoje ouvi com tristeza
notícia sobre 
Uma vítima indefesa 
Descobri que a
Praça da Liberdade tinha
Sido presa.

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Plínio Fernandes Toledo

É mestre e doutor em Ciência da Literatura (Teoria Literária) pelo Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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