ORIGEM
Vó me disse que
Não vim do barro:
Vim da costela
Do ser amado.
Alcanço o torso
Tateio os pares:
Costelas gêmeas
Nas extremidades.
Espelhadas como
O homem e eu:
Abraço a dupla
Do ser, a imagem.
Aparentes costelas
Como as de rês esquálida:
Origem minha, singela,
Na beira da estrada.
O homem se tornou um de nós
Gênesis 3:22
PLURAL MAJESTÁTICO
O deus sempre vem em muitos
Para todos os homens
Desavisados ou aviltantes
Cada qual à sua maneira
Perceberem o tanto de trabalho
De ser soberano.
Muitos de deus lá dentro
Do livro e da oração:
O nome condensa
A primordial contenção.
CANTIGA DE AMOR DA MULHER BÍBLICA
Primeiro, vou te deixar entrar
Pela minha ferida principal.
Claro, darei até boas vindas.
Vou te sibilar durante a noite
Colonizar teus sonhos e afetos,
Até mesmo os mais disfarçados.
Vou te sentir em vazão
Por caminho outro ao nosso.
Erro enorme deste homem tão indócil.
Vou te cortar todo o cabelo
Mas só porque te cobre os olhos! – não
Podes ficar alheio aos arredores da visão.
Vou te consagrar no teu fim
Que comigo se inicia.
Afinal, eu escolho onde cai o dia.
Vou te cortar a cabeça, e servir
Em bandeja de prata ladeada
Por ervas frescas e cesta de flores.
Vou te cuidar e, até assim, te limpar.
Atenta. Pois quando ressuscitares
Eu estarei lá.
EX VOTO
À graça alcançada:
Sepultura primeira
Pedaço solto de madeira
Queima em peças largas
Alastra-se pelas pargas.
ADULTO
Sempre há algo sozinho como
A cruz de madeira que germina
Do descampado no sol poente.
Algo como trilhar caminhos
De pedras e cal infantis
Estando os pés já crescidos.
Algo que coça e chora
Algo ínfimo
Diante de tanto frio.
Shevah Ahavat Esberard
É estudante de Direito na UFMG e bolsista de iniciação científica pelo CNPq, com pesquisa na área de Direito e Literatura. Nasceu em Recife, no ano de 2000.