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DIÁRIO DE BORDO, de Blaise Cendrars, em edição bilíngue. Editora 34

EM 6 DE FEVEREIRO DE 1924, ao desembarcar do vapor Le Formose no porto de Santos, Blaise Cendrars começava uma aventura que transformaria a fundo o curso de sua vida. Fazia já algum tempo que o poeta franco-suíço, autor de textos célebres como A prosa do Transiberiano, de 1913, buscava tomar alguma distância dos círculos da vanguarda parisiense.

O convite de Oswald de Andrade e Paulo Prado vinha bem a calhar: depois de suas trágicas experiências durante a Primeira Guerra Mundial e da frustração de seus planos cinematográficos, Cendrars não podia senão acolher de bom grado a oportunidade de passar seis meses ao sol dos trópicos. O que acontece nos seis meses seguintes merece ser chamado de prodigioso. Praticando de caso pensado certa inocência e certa ignorância programáticas diante do país que mais tarde chamaria de sua “segunda pátria espiritual”, Cendrars observa, pergunta, anota — e verte o que vê e aprende em breves anotações poéticas, escritas num estilo que flerta com a concisão moderna do telegrama e com a prosa dos relatos de viagem ao Novo Mundo. Nascia assim este Diário de bordo, que o autor começaria a publicar ainda em 1924, de volta a Paris. Pujante e solar, de um lirismo despojado e curioso diante do mundo ao redor, Diário de bordo não tinha como não marcar a geração de poetas modernistas brasileiros que Cendrars conheceu e à qual dedicou sua última grande empresa poética.

Esta nova tradução, publicada no centenário da Semana de Arte Moderna, recolhe a totalidade dos poemas vinculados a Diário de bordo e inclui diversos textos dispersos e inéditos.

Sobre o autor

Blaise Cendrars, pseudônimo de Frédéric Louis Sauser, nasceu em 1887 em La Chaux-de-Fonds, na Suíça. Em 1904, aos 17 anos, viajou à Rússia e viveu até 1907 em São Petersburgo. Em 1911 rumou a Nova York para reencontrar a estudante polonesa Féla Poznánska, com quem se casaria e teria dois filhos e uma filha. Ali escreveu Les Pâques à New York, obra que inaugurou sua breve e fulgurante carreira como poeta. De volta a Paris em 1912, Cendrars publicou Pâques, seguido em 1913 por um outro poema longo, Prose du Transsibérien et de la petite Jeanne de France,ilustrado por Sonia Delaunay. Quando da eclosão da Primeira Guerra Mundial, Cendrars alistou-se na Legião Estrangeira e distinguiu-se em combate; em 1915, contudo, foi gravemente ferido e teve o braço direito amputado acima do cotovelo. Desmobilizado e naturalizado francês, publico u Dix-neuf poèmes élastiques e La Fin du monde filmée par l’Ange N.-D. (ambos de 1919), compilou uma antologia de contos populares africanos (Anthologie nègre, 1921) e escreveu o libreto de La Création du monde, montado em 1923 pelos Ballets Suédois com música de Milhaud e cenários e figurinos de Léger. Em janeiro de 1924 partiu rumo ao Brasil, onde ficaria até agosto do mesmo ano, em intenso convívio com os modernistas locais, como Paulo Prado, Tarsila e Oswald de Andrade. De volta a Paris publicou, ainda em 1924, Feuilles de route — I. Le Formose. Passa a se dedicar à prosa, lançando os romances de aventura L’Or (1925), Moravagine (1926) e Dan Yack (1929), e depois ao jornalismo, que praticou até o início da Segunda Guerra Mundial, quando se enga jou como correspondente junto ao exército inglês. Com a derrota francesa, se retirou para Aix-en-Provence. Após um período de silêncio, por volta de 1943 volta a produzir: em 1944, seus Poemas completos saem pela Denoël, e no ano seguinte inicia a publicação de suas memórias: L’Homme foudroyé (1945), La Main coupée (1946), Bourlinguer (1948) e Le Lotissement du ciel (1949). Em 1950 voltou a se instalar em Paris para trabalhar em sua última obra, o romance Emmène-moi au bout du monde!, publicado em 1956. Com sérios problemas de saúde, em 1959 é condecorado com a Legião de Honra e casa-se com a sua musa de longos anos, a atriz Raymone Duchâteau. Faleceu em Paris, em 1961.

Sobre o tradutor

Samuel Titan Jr. nasceu em Belém, em 1970. Estudou Filosofia na Universidade de São Paulo, onde leciona Teoria Literária e Literatura Comparada desde 2005. Editor e tradutor, organizou com Davi Arrigucci Jr. uma antologia de Erich Auerbach (Ensaios de literatura ocidental) e assinou versões para o português de autores como Adolfo Bioy Casares (A invenção de Morel), Charles Baudelaire (O Spleen de Paris), Gustave Flaubert (Três contos, em colaboração com Milton Hatoum), Jean Giono (O homem que plantava árvores, em colaboração com Cecília Ciscato), Voltaire (Cândido ou o otimismo), Prosper Mérimée (Carmen), Eliot Weinberger (As estrelas) e José Revueltas (A gaiola).

Texto de orelha

A bordo do Brasil — Blaise Cendrars, poeta de origem suíça que adotou a França e por ela perdeu o braço direito na Primeira Guerra Mundial, conheceu a nossa “tropa de choque modernista” em Paris, em 1923. Autor consagrado de Páscoa em Nova York (1912), A prosa do Transiberiano e da pequena Joana da França (1913), e Dezenove poemas elásticos (1919), logo se tornaria o centro das atenções de Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Sérgio Milliet e companhia, mercê de sua disponibilidade e desafetação. Sem o pleitear, tornou-se uma referência para a geração da Semana de Arte Moderna, em busca de legitimação.

Oswald, atento às oportunidades que se abriam, vislumbrou a perspectiva de convidá-lo a vir ao Brasil e convenceu Paulo Prado, duplo de intelectual e empresário, a custear a viagem. Aborrecido com os meios literários, Cendrars havia “tirado uma folga” da poesia e tentado o cinema após uma experiência de “assistente de ferrovias” no filme A roda (1922-23) de seu amigo Abel Gance. A isca de Oswald para atrair Cendrars foi oferecer-lhe a direção de um filme de propaganda do Brasil.

Quando fez escala no Rio, a caminho de Santos, Cendrars foi recepcionado por um grupo arregimentado por Graça Aranha. Entre eles se encontrava Guilherme de Almeida que o esperava com um exemplar de Natalika, com dedicatória. Estava criado o mal-entendido: o desertor da poesia era recebido entre nós como encarnação da poesia moderna.

Feuilles de route — ou, doravante, Diário de bordo — é portanto o livrinho de um poeta em férias, que expande livremente sua sensibilidade em fragmentos líricos, sem intenção de grande arte. Essa condição não escapou ao crítico Mário de Andrade, que afirmou em resenha: “Cendrars de alma rica pescou um dilúvio de sensações saborosas, fotografou-as em poemas curtos. Livro muito lírico. Notas de viagem”, dotadas de “uma humildade poética emocionante”.

Esta edição, providencialmente bilíngue, engloba todos os poemas brasileiros de Cendrars: os que saíram na plaquete Feuilles de route — I. Le Formose e os que foram publicados em revistas, catálogos, artigos, livros posteriores, além dos que haviam permanecido inéditos até recentemente. Poemas sentimentais, antropológicos, irônicos, documentais, ideológicos, confessionais — inclusive um com o título sugestivo “?”, escrito em São Paulo e de grande dilaceramento emocional.

Cendrars não fez o filme almejado, nem fez a América. Mas a aventura brasileira o transformou, a ponto de declarar que o Brasil se tornara sua “segunda pátria espiritual”. Lançado em dezembro de 1924, trazendo na capa o desenho premonitório de A negra de Tarsila, este Diário de bordo anunciava a adesão do poeta ao país “onde a civilização e a selvageria não contrastam, mas se mesclam, se conjugam, se casam, de uma maneira ativa e perturbadora. Fica-se com a respiração entrecortada de admiração e, frequentemente, de terror ou de paixão”.

Carlos Augusto Calil

Diário de bordo
Blaise Cendrars
Edição bilíngue
Tradução de Samuel Titan Jr.
Projeto gráfico de Raul Loureiro

Coleção Fábula | 208 p. | 15 x 22,5 cm | 313 g | ISBN 978-65-5525-100-5 | R$ 65,00

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