Fulgor
Esses caçadores do sublime
de onde falam
já não podem voltar
É sempre de uma explosão
que se trata
A natureza animal
assombrada
o gesto afetado
a voz rouca
que fala
O mais etéreo dos perfumes
comovendo
os corpos
Nunca se sabe
– como diria Keith-
o Richards
se terás um orgasmo
ou um infarto
O objeto é a pesquisa
Onde era a verdade
vertigem
Harmonia
Ultraje
Fiar a vida
com fogo ardente
Versar com ela
como um artesão
tocando a matéria
Porque apesar de
Fica o que resiste
do vivo da alegria
do florescer da quaresmeira
tão real quanto breve
Notável e soberano
Disso nascem as flores
amores
as dores e os poemas
Tartaruga
Não é que a Tartaruga
goste de mundo
quase parando.
É que ela tem a saúde
de não perceber
que da concha que se move
não há quem alcance o passo.
Nem Aquiles nem a Lebre.
Que passem à frente dela
todos os apressados.
E recolham da paixão
suas mãos ávidas.
Mas que ao final
todos cheguem ao seu destino
de carta
que faz do endereço extraviado a própria casa
A coruja
Com olho arregalado
ela emudece
vendo a noite do mundo.
Ela não consegue dormir
nem falar de amor
Um poeta diria que é porque amor
é feito bomba
nas mãos pode explodir
mas a coruja não tem mão
e impenetrável permanece
É por isso que ela é muda?
Devo pesquisar os modos da coruja
antes que isso termine
e eu conclua a coruja
sem a coruja
Ah, sim,
Lá está ela
Do alto da sua Árvore
ou no chão da estrada
noturna e muda
Mas às vezes ela muda
Ela grita?
Parece gato com asa
empalhado
e desidratado
O que reidrata a coruja?
She likes the night light, baby!
She likes the night light
O saber do sabão
Era preciso lavar
o saber antigo
os modos de vida consagrados
Era preciso encontrar
uma outra maneira
de rolar o rochedo de sísifo
porque empurrar o rochedo até o cume
e vê-lo descer morro abaixo
torna a vida muito cansativa
Era preciso tocar o mundo
sem as mãos e, ainda assim, recriá-lo
para que ele deixe de ser um museu
de velhas novidades
porque do alto da montanha
como dizia Ponge
pode haver sim
um outro horizonte
que nos conduza a uma outra versão
Menos moralismo, mais liberdade
menos autoritarismo, mais umidade
“SENHORES E SENHORAS A ILUMINAÇÃO É OBLÍQUA”
As leis do ser hão de brotar
à margem de todo pessimismo
a despeito da falta de sentido do mundo
apesar de nós
O saber do sabão
extraído da operação de higiene intelectual
faz cair em ruína toda eloquência
e subir em surdina
pequenas bolhas de luz
que transmutadas
vão ocupando pouco a pouco
seus espaços no ar
em reflexos multicores que se espalham nos céus
O ramo é o anagrama do amor.
Onde não se diz do amor:
o ramo, a flor, algumas folhas
Onde tem amor
tem Amora
Amora da mata
Rosália
amoral
Onde tem amora-vermelha
amor-crescido
amorenado
amorepixuna
amores
Onde tem amores
amores-de-negro
espinho de carneiro
amores-do-campo-sujo
amurado
Amor-febril
a pé
a pata
amorfa
Onde tem amor
amor perfeito bravo
amor perfeito da china
amor perfeito do mato
Onde tem amor
no dorso viridário da paisagem
amor tecer
porque amor tecido
um dia
ainda será poesia
Paula Vaz
Poeta, escritora e psicanalista, autora dos livros Não se sai de árvore por meios de árvore. Ponge-Poesia (2014 ); A outra língua: amor (2016) e Deserto (2018) editados e publicados pela Cas’a edições.