Lançamentos do mês de maio da Editora Todavia. “O plantador de abóboras”, romance de Luís Cardoso; “Beatriz e o poeta”, de Cristovão Tezza; “Dias que não esqueci”, autoficção de Santiago H. Amigorena; “A boa sorte”, romance de Rosa Montero.
O plantador de abóboras
Luís Cardoso
Por que publicamos:
Grande vencedor do Prêmio Oceanos 2021, o romance de Luís Cardoso é um passeio vertiginoso e comovente pela história do Timor.
O livro:
Escrito num fluxo poético de memória e tragédia, reminiscências e episódios históricos, este é um romance único e poderoso. Na prosa hipnotizante de Luís Cardoso, uma mulher — que por mais de duas décadas espera o retorno do noivo durante a ocupação indonésia no Timor — relata (a um interlocutor misterioso) a história de seu país.
A origem dessa trama tem tanto a ver com a história da pequena nação asiática quanto com o seu próprio autor. Vivendo há décadas em Lisboa, Cardoso retornou ao Timor em 2001 numa viagem com José Saramago. No meio das ruínas da guerra, os dois escritores encontraram uma mulher que se pôs a falar sobre o país. “Ela estava a contar cem anos da história do Timor-Leste, três guerras sucessivas. Desde aquele dia, pus na cabeça que um dia havia de contar essa história num romance com uma voz feminina”, rememora o autor.
O plantador de abóboras é uma meditação sobre a criação do país e sobre todas as violências possíveis (o racismo, o comércio predatório, a exploração do homem pelo homem, o preconceito com os nativos, as invasões e o machismo). Belo e forte, este é um livro construído a partir de episódios históricos, lendas e tragédias políticas. Timor, cenário mítico, não voltará a ser o mesmo depois desta viagem em que o concreto e o fantástico, Sancho Pança e Chibanga, as rosas e o café, o cavalo e o ganso, o Império Colonial e o Oriente, a espera pelo amor e os dias vertiginosos da guerra são chamados à cena. Seremos donos das nossas sementes? Poderá o mundo ser uma abóbora?
Ou, como diz a própria personagem desse romance absolutamente singular e encantatório: “Numa guerra ninguém faz considerações morais: ou se mata ou se morre. Mata‑se e pronto. Mataste quantas pessoas, antes de entrares nesta casa para me dizeres que gostarias de plantar abóboras?”.
Dizem por ai:
“Um romance que nos faz refletir também que a história de uma personagem nunca é solitária — é uma história que carrega consigo a história de sua comunidade, de seu povo e, neste caso, a história de um país: o Timor-Leste.”
Itamar Vieira Junior
O autor:
Luís Cardoso nasceu em Kailako, uma vila no interior do Timor, em 1958. Mudou-se para Portugal ainda jovem para seguir os estudos universitários. É autor dos romances Crónica de uma travessia (1997), Olhos de coruja olhos de gato bravo (2002), A última morte do Coronel Santiago (2003), Requiem para o navegador solitário (2007), entre outros.
Um trecho:
Quem és tu?
Estranho homem que me faz um estranho pedido. Tens mãos de quem nunca semeou abóboras. Mãos finas, ágeis e delicadas. Devias ter ficado na cidade de Díli e dar-lhes outra utilidade. Trouxeste-as limpas e preservadas para que me lembre. Tens mãos poupadas, plantadas num corpo antigo. Mãos de enfeite. Mãos de patarata. Não tenho memória das tuas mãos. Não me lembro de alguma vez me teres dado as tuas. Tenho a memória das minhas. Sei o rasto delas. Gastas pelo labor e devastadas pelo tempo. Mãos que nunca se pouparam a nada. Ao contrário das tuas, as minhas pertencem-me por inteiro. Têm a medida exata do meu corpo. Porventura sabes servir-te das tuas mãos para abrir covas e enterrar lá dentro sementes para que delas nasçam abóboras? Lavramos o solo com mãos e sujamo-las com pó da terra para que do chão cresçam plantas. Removemos com as nossas mãos as entranhas da terra e enterramos lá dentro os nossos sonhos quando morrem para que das cinzas despertem sombras.
De que noite tardas, estranho homem?
Que se faz chegar, quando todos já se foram embora. Fizeste o caminho inverso. Cruzaste-te certamente com Américo Borromeu. Fácil de ser identificado por ser aquele que manca. Mede os passos quando anda. Um pé arrasta o outro. No seu caso, atrasa o outro. O seu defeito é o seu grande álibi. Pode estar em todos os lugares e em nenhum. Enquanto descia, tu subias. Estas escarpas de pedras que fazem de Manu-mutin um lugar agreste. Mas isso é outra história. Trocaram olhares? Acredito que sim. Que disseram mais num relance do que podiam ter dito, um ao outro, com muitas palavras. Foi assim que fizemos durante a ocupação. Embora coxo e manco, Américo Borromeu estava cheio de pressa de chegar ao seu destino. Numa luta feroz contra o tempo. Passo a passo para não tropeçar no próprio pé. Foram tantos os anos em que andou a mancar no mesmo sítio. Levava com ele a sua lata vazia para encher de mina-rai ou o óleo da terra. Também a esperança de que lata a lata e se mais latas enchesse, havia de se tornar rico para ser o dono da fazenda República de Manu-mutin Também és dono? De algo onde pudesse constar o teu nome. Uma casa, uma fazenda, uma história e de um lugar reservado no Jardim dos Heróis. Somos um pequeno país que viveu um grande pesadelo e de repente acordou abastado. Não sei se vivemos uma vida de sonhos ou de faz de conta. Nunca abdiquei de sonhar. Tenho a vida que tenho. Todos os dias tenho de fazer contas à vida, dado que não tenciono sair daqui com uma lata vazia, para depois regressar com ela igualmente vazia e, pior do que antes, esvaziada de esperanças. Não me presto ao engano. Muito menos à farsa de outrem. Guardo lembranças do passado que não se ofuscam nem desvanecem com esta permanente exaltação. Sento-me nesta varanda, virada do avesso e para dentro de mim, a ouvir o grasnar de um ganso, creio que ainda continua a ser o mesmo ganso, com a mesma toada de voz, a mesma fúria, sem que tivesse alterado o timbre. Não consigo entender que venhas para as montanhas e para este sítio, num momento em que todos se foram embora com as suas latas vazias para as encherem no au-kadoras ou a torneira que haverá de trazer o mina-rai do fundo do mar, conforme havia prometido o irmão extraordinário Também tu, Borromeu? (que baixou os olhos para não me ver).
GÊNERO:
Ficção estrangeira
CATEGORIA:
Romance
CAPA:
Elisa v. Randow
PÁGINAS:
160
PREÇO:
r$
59,90
ISBN: 978-65-5692-273-7
PREÇO
E-BOOK r$ 39,90
E-ISBN:
978-65-5692-280-5
Beatriz e o poeta
Cristovão Tezza
Por que
publicamos:
Uma investigação das relações
humanas em tempos de pandemia, escrita por um dos nossos maiores ficcionistas.
O livro:
Em 2020, experimentando o primeiro alívio depois
do período mais duro da pandemia, a tradutora Beatriz volta a frequentar um
café perto de sua casa, em Curitiba. A pausa no trabalho meticuloso da
personagem — a tradução para o português dos ensaios de um polêmico pensador
catalão — é interrompida por uma surpresa: a aparição do jovem poeta Gabriel,
que a conheceu ainda adolescente.
A abordagem
tímida e estabanada acaba evoluindo para uma relação peculiar, matéria deste
novo romance de Cristovão Tezza. Rescaldos de antigos amores, histórias
familiares que não se resolveram, poemas que aparecem em envelopes debaixo de
uma porta: entre as máscaras e as contagens de mortos da quarentena, diante do
ciclo paradoxal de imobilidade e “violência da passagem do tempo”, é a pequena
esfera privada — com seus afetos e acasos — que deveria trazer um sopro de
novidade.
Mas isso ainda é
possível hoje? Ou na “era do imbecil”, em que os “autênticos” de “tacape na
mão” abriram as torneiras do “dilúvio moral”, a política impede que vivamos
apenas “dentro da pele e da imaginação”? Tezza enfrenta a pergunta sob duas
perspectivas. Uma está grudada nos pensamentos e atos de Beatriz, antiga
personagem de livros seus como A
tradutora e Um erro emocional. A
outra é a voz em primeira pessoa de Gabriel.
Na alternância de ambas, os registros também se opõem e complementam. Prosa e poesia, ficção e ensaio, racionalidade e instinto, tudo espelha um mundo fragmentado, em que antigas noções de identidade mudam em ritmo fulminante. Como resultado, seria natural que um romance sucumbisse sob camadas de ironia, ou de desconfiança sobre os próprios métodos. Mas Tezza não se deixa cair no cinismo ou no formalismo: as verdades de sua literatura, embora nem sempre fáceis, reconfortantes, estão sempre à disposição de quem tem coragem para vê-las.
O autor:
Cristovão Tezza nasceu em Santa Catarina, em
1952, e foi criado em Curitiba. É um dos principais escritores brasileiros
contemporâneos, e seu romance O filho
eterno (2007) venceu os prêmios São Paulo de Literatura, Jabuti, Portugal
Telecom, Bravo! e APCA. Pela Todavia, o autor lançou A tirania do amor (2018) e A
tensão superficial do tempo (2020).
Um trecho:
Vou sair, ela decidiu. Aproximou a
máscara do rosto, que lhe pareceu de relance, no reflexo do monitor, colorida
demais, como se não pertencesse a ela. Sorriu da ideia repressiva e fugiu de
todas as ramificações que vieram em fragmentos à cabeça, entre eles a idade,
estacionada num limbo. Que idade eu tenho? Estamos todos parados no tempo
imóvel, disse-lhe Batista numa surpreendente tirada poética na última vez em
que se viram, a dois metros de distância, as cabeças para trás, o fantasma
mortal do vírus pairando entre eles — veja o investimento físico que fizemos
aqui, e ele frisou a palavra, físico, apontando com irritação as paredes novas
e as salas de aula recém-pintadas e os quadros e as telas de projeção e as
cadeiras e luminárias, para comprovar que não poderia continuar pagando por
muito tempo aquela conta, esse investimento foi um erro de cálculo, mas quem
poderia adivinhar? Para aulas online, a gente não precisava disso tudo. Se eu
tivesse uma bola de cristal, estaria rico só por me preparar para esta loucura.
Beatriz
sacudiu a cabeça, como se pedaços da memória pudessem ser espanados como pó, e
achou graça da ideia, o que lhe renovou o surto de ânimo — preciso sair de
casa. Abriu a sacolinha de papel e tirou outra máscara, esta preta. Todas têm
três camadas, são superseguras, disse-lhe a moça à porta, indicação do zelador
de vassoura na mão, a senhora não quer comprar máscaras artesanais? É a minha
sobrinha que — e no dia seguinte ali estava a menina, de máscara colorida no
rosto, o que combinou com a tatuagem em verde, preto e vermelho
que lhe cobria do braço ao
antebraço, ramos e folhas e frutos entrelaçados, uma serpente do bem virando-se
na pandemia.
Estendeu
a mão de longe, conforme o protocolo, os olhinhos vivos sugerindo um sorriso
invisível, o que a gentileza da voz reforçava. São setenta reais, dez máscaras
com motivos e cores diferentes, e Beatriz se animou — garota de vestido novo,
imaginou-se dizendo a alguém que eram máscaras com grife, e levantou-se do
computador para conferir no espelho do banheiro. Meu Deus, como eu estou
branca, o que a máscara negra parecia ressaltar brutalmente por contraste, mas
é incrível como as pessoas gostam de máscaras negras, parece que mais do que
das coloridas, e ela imaginou uma pesquisa sobre as ocorrências de máscaras
brancas, pretas e coloridas na rua e no supermercado, nada como dados concretos
para tirar conclusões seguras, e lamentou, aproximando mais a cabeça do
espelho, que a máscara ocultasse justo o que ela imaginava que tinha de mais
bonito, o formato do nariz e os lábios e a curva do queixo, discretamente
afilado, queixinho de gente decidida, o elogio que ouvia ainda criança, e ela
tirou a máscara para se ver de perfil, atrás de pequenos fios de rugas, por
certo ainda invisíveis a um metro de distância, ela comprovou afastando e
aproximando a cabeça; e virou o rosto para o outro lado para conferir como
andava a sua pinta, que continuava do mesmo tamanho, à margem da maçã do rosto,
cuide disso, alguém lhe disse quase num tom de ameaça, e Beatriz de vez em
quando passa suavemente o dedo para sentir na pele o volume de uma sombra, que
é charmosa — antigamente as mulheres faziam pintas com o lápis, disse-lhe
Clarice, só para dar um toque de Marilyn Monroe. Era moda. Eu jamais faria
isso, respondeu Beatriz. É uma falsificação, pensou em acrescentar.
GÊNERO:
Ficção brasileira
CATEGORIA: Romance
CAPA: Bloco
Gráfico
PÁGINAS: 192
PREÇO: r$
69,90
ISBN: 978-65-5692-277-5
PREÇO E-BOOK r$
44,90
E-ISBN:
978-65-5692-271-3
Dias que não
esqueci
Santiago Amigorena
Por que
publicamos:
Neste livro que embaralha ficção e
vida pessoal, o autor constrói uma meditação feroz e dolorida sobre a
infidelidade e o amor.
O livro:
O acaso costuma ser o grande aliado das histórias de amor —
mas igualmente, com dolorosa frequência, ajuda a descortinar seu lento e
agonizante fim.
A descoberta da infidelidade da
esplêndida mulher e atriz com quem convivia havia anos e com quem teve dois
filhos leva o narrador a passar por múltiplas etapas do sofrimento e das dores
da traição: um espectro de sentimentos que vai do desconforto e da dor à busca
de si mesmo.
Pode Dias que não esqueci ser classificado como romance ou
autobiografia? Esta é uma obra que desliza entre essas categorias, mas é
correto dizer que se trata de uma autoficção do aclamado autor de O gueto interior. Neste livro, o
narrador percebe que está sendo amado pela metade quando sua esposa se apaixona
por outro homem. Para lidar com essa penosa situação, que o faz roçar a loucura
e o desespero suicida, ele embarca em uma dupla jornada: geográfica e interior,
cruzando a Itália enquanto busca entender o momento que está vivendo.
E, como um soldado abatido e
indefeso, ele nos apresenta uma história íntima, modesta e concisa sobre o amor
no século xxi, convidando-nos a
caminhar a seu lado, enquanto ele mesmo se perde evocando sua mulher (a quem
não deixou de amar intensamente) pelas ruas de Roma, cidade em que viveu quando
jovem e onde tentará retomar toda a vida que sente que lhe foi roubada. Ele só
será acompanhado em suas “aventuras” por um correligionário, o poeta Guillaume
Apollinaire (1880-1918), que, com suas Cartas
a Lou — uma das correspondências mais eróticas e eletrizantes do século xx —, intervém como um companheiro de
corda bamba.
Verdadeira crônica de um amor
ferido, Dias que não esqueci seduz
pelo estilo luminoso e contundente em capítulos breves e poderosos. Amigorena
faz aqui uma espécie de poética da dor de cotovelo (ou do ressentimento
amoroso) em que a confissão, a sinceridade e o entendimento do caráter breve da
vivência humana são seus aliados do início ao fim. Uma escrita apaixonante.
O autor:
Santiago
H. Amigorena nasceu na Argentina em 1962 e há muitos anos está radicado na
França, onde escreve roteiros de filmes e romances — todos em língua francesa.
Dele, a Todavia já publicou O gueto
interior (2020).
Um trecho:
Ele pensa: O que dizer aos filhos?
Que amá-la sozinho não basta? Que seu amor não consegue retê-la? Que seu amor
não sabe retê-la? Que se ela os abandona, os que ainda ama, os que sempre
amará, é somente porque precisa abandoná-lo — a ele, que ela não ama mais?
O
que dizer aos filhos? Que, assim como seu amor por ela não é suficientemente
forte para retê-la sem seu amor por ele, seu amor por eles não é suficiente
para que suas vidas de crianças continuem as mesmas, igualmente simples,
igualmente felizes? Que sem ela ele não é mais nada? Que esse pai que era tudo
não é mais capaz nem de recobrar a mínima força que lhe permita esconder seu
desespero? Que lhe permita mentir, para que eles ao menos ainda recebam seu
amor, seu amor que continua o mesmo e que ele deveria dar com a mesma
simplicidade de antes?
O
que ele poderia dizer aos filhos? Que a tristeza não é mais forte que a
alegria, que ela não dura mais tempo? Que eles verão isso com os próprios
olhos? Que o caminho ainda é longo? Que a vida lhes mostrará? O que dizer aos
quatro anos do filho mais velho, aos três anos do mais novo?
Desde já deve
dizer-lhes que suas vidas serão feitas, também, de sofrimento?
GÊNERO:
Não ficção estrangeira
CATEGORIA: História
CAPA: Daniel
Trench
TRADUÇÃO: Claudia
Abeling
PÁGINAS: 400
PREÇO: r$
89,90
ISBN: 978-65-5692-270-6
PREÇO E-BOOK r$
54,90
E-ISBN:978-65-5692-274-4
A boa sorte
Rosa Monteiro
Por que
publicamos:
Da autora de A ridícula ideia de nunca mais te
ver, um romance que nos mostra que é possível sempre reinventar
a vida. Ainda mais se estivermos experimentando um novo amor.
O livro:
O que leva um homem a saltar de um trem em uma cidade sem
maiores atrativos, que não era seu destino original, e se esconder ali? Seu
objetivo é recomeçar a vida ou simplesmente acabar com ela? Talvez ele esteja
fugindo de alguém, ou de alguma coisa, ou até de si mesmo, mas o certo é que o
destino o trouxe para Pozonegro, um antigo centro minerador de carvão que agora
está lentamente definhando. Diante de sua casa passam trens que podem ser sua
salvação ou condenação, enquanto os perseguidores apertam o cerco. A ruína
parece mais perto a cada dia.
Mas este homem, cujo nome é Pablo,
também conhece pessoas naquele lugar amaldiçoado, como a luminosa e um tanto
excêntrica Raluca, que pinta quadros de cavalos e guarda um segredo. Porque em
Pozonegro todos parecem ter algum segredo — alguns mais sombrios e perigosos
que outros. Ou então simplesmente ridículos. Também há humor naquela
cidade triste, porque a vida tem mesmo muito de comédia. E pessoas que
fingem ser quem não são, ou que escondem o que planejam. É o grande jogo das
falsidades em movimento.
Um mecanismo de intriga hipnotizante
revela aos poucos o mistério daquele homem e, ao fazê-lo, nos mostra o interior
do que somos, num verdadeiro raio X dos anseios humanos: medo e serenidade,
culpa e redenção, ódio e desejo. Este romance aclamado de Rosa Montero fala
sobre o Bem e o Mal, e como, apesar de tudo, o Bem ainda pode prevalecer.
É uma história de amor, de uma paixão terna e febril entre Raluca e o
protagonista, mas também de amor pela vida. Porque depois de cada derrota pode
haver um novo começo, e a sorte só é boa se decidirmos que ela é.
Com A boa sorte, Rosa Montero mostra mais uma vez por que é um dos
nomes centrais da literatura atual. Com inteligência e malícia, pleno domínio
da narrativa e um olhar compassivo para tudo aquilo que nos faz humanos, a
autora espanhola constrói um romance imprescindível sobre todas as contradições
— e alegrias — que marcam a nossa vida.
Dizem por aí:
“A sua escrita nos traz um antídoto
para estes tempos. Um novo romance que nos lembra que a vida é um
presente.”
Elle
“Rosa Montero é minha amiga íntima
da ficção.”
Mario Vargas Llosa
“Um esperançoso livro de amor tão
necessário para nossos tempos atribulados.”
La Nueva España
A autora:
Um dos principais nomes da literatura espanhola
contemporânea, Rosa Montero nasceu em Madrid, em 1951. É autora de diversos
livros aclamados mundialmente, como A
ridícula ideia de nunca mais te ver e Nós,
mulheres (ambos publicados pela Todavia).
Um trecho:
Esse
homem não desgruda os olhos do celular desde que saímos de Madri. E isso que
estamos em um trem-bala de exasperante lentidão, que para em todas as estações
no caminho de Málaga. Poderia parecer que esse homem está imerso em seu
trabalho, quase abduzido por ele; mas qualquer observador meticuloso ou ao
menos persistente teria percebido que, de quando em quando, seus olhos deixam
de vagar pela tela e adquirem um aspecto vidrado; que seu corpo se enrijece,
paralisado na metade do gesto ou do batimento cardíaco; que suas mãos se
contraem e seus dedos se curvam, garras crispadas. Em tais momentos é evidente
que está muito distante do vagão, do trem, desta tarde tórrida que esmaga sua
poeirenta vulgaridade contra o vidro da janela. Na mão direita desse homem há
duas unhas machucadas e negras, a ponto de cair. Devem ter doído. Também reluz
uma ilha de pelos sem cortar na mandíbula quadrada, de resto perfeitamente
escanhoada, o que demonstra que não usa espelho ao se barbear. Ou mesmo que ele
nunca se olha no espelho. E, no entanto, não é feio. Aparenta mais ou menos
cinquenta anos, cabelo abundante e grisalho, liso e descuidado, muito longo na
nuca. Rosto de traços pronunciados, lábios carnudos, nariz proeminente, mas
harmônico. Um nariz de general romano. Olhando bem, esse homem deveria ser
chamativo, atraente, o típico varão poderoso e consciente do próprio poder. Mas
nele há algo deslocado, algo fracassado e errôneo. Uma ausência de esqueleto,
por assim dizer. Isto é, uma ausência completa de destino, que é como andar sem
ossos. Daria para dizer que esse homem não entrou num acordo com a vida,
consigo mesmo, e entrar num acordo, a esta altura todos nós já sabemos, é o
único êxito ao qual se pode aspirar: chegar como um trem, como este mesmo trem,
a uma estação aceitável.
Faz apenas quinze minutos que
paramos em Puertollano, mas a máquina diminuiu de novo a velocidade. Voltaremos
a nos deter, agora na parada de Pozonegro, um pequeno povoado de passado
minerador e presente calamitoso, a julgar pela suprema feiura do lugar. Casas
míseras com telhas Eternit, pouco mais que favelas verticais, alternando-se com
ruas que são fruto do desenvolvimento franquista mais paupérrimo, com os
típicos prédios residenciais de quatro ou cinco andares com o reboco roído ou o
azulejo manchado de salitre. O trem-bala treme um pouco, sacode pra frente e
pra trás, como se espirasse, e enfim para. Surpresa: pela primeira vez desde o
início da viagem este homem levanta a cabeça e olha através da janela. Olhamos
com ele: um áspero amontoado de trilhos vazios, paralelos ao nosso, se estende
até um edifício colado à estrutura de ferro da estação. Estamos a certa altura,
numa espécie de passagem elevada que deve ficar no nível do terceiro andar do
prédio. Quase à beira dos trilhos, desponta uma pequena varanda calamitosa: a
estrutura é metálica, a porta não encaixa, um velho botijão de gás apodrece
esquecido junto à parede de azulejo barato. Preso às grades enferrujadas, um
cartaz de papelão, talvez a tampa de uma caixa de sapatos, escrito à mão:
“Vende-se”, e um telefone. A perfeita representação do fracasso.
Esse homem ficou olhando a lastimosa
paisagem por um longo instante. Quieto, impassível, daria para dizer que sem
pestanejar. Por fim, o trem retoma a marcha e ele afunda de novo a cabeça,
dessa vez no computador. Exatamente vinte e oito minutos mais tarde entramos na
estação central de Córdoba. Esse homem se levanta, revelando-se muito mais alto
do que parecia; seu paletó, caro e bem talhado, provavelmente de linho, está
muito engruvinhado e pende desarrumado de seus ombros ossudos. No entanto, o
homem não ajeita a roupa, como tantos fazem automaticamente ao se levantar.
Retira a maleta do bagageiro superior, deposita-a sobre o assento e nela guarda
o notebook. Ergue-se, arruma com um tapa o cabelo da testa e desce do vagão.
Já embaixo, parece ter perdido de
repente o impulso que o impelia. Fica paralisado ao pé da escadaria olhando
desconcertado ao redor, enquanto os demais passageiros que saem depois dele
grunhem, protestam e terminam contornando o estorvo por um lado ou por outro,
como o rio que se divide em torno a uma rocha. Mas os viajantes que querem
embarcar já não são tão respeitosos.
GÊNERO:
Ficção
estrangeira
CATEGORIA: Romance
CAPA: Luciana
Facchini
TRADUÇÃO:
Fabio Weintraub
PÁGINAS: 256
PREÇO: r$
69,90
ISBN: 978-65-5692-269-0
PREÇO E-BOOK r$
44,90
E-ISBN: 978-65-5692-279-9