Eu estava conversando com a minha filha que dizia que tinha
ganhado um cachorro e estava muito feliz porque havia muito tempo ela nos pedia
um cachorro, a mim e ao pai, mas nós achávamos melhor ela ter um cachorro
quando estivesse com mais idade e pudesse cuidar dele. Ela dizia que ia cuidar
do seu cachorro, dar banho, ração, catar as pulgas, e levá-lo pra passear.
Nunca mais ia ficar longe dele. Todas as suas amigas, suas primas, e até as
professoras do colégio tinham cachorro, menos ela. Na mão dela havia uma
espécie de coleira feita com um cinto; o cachorro amarrado ao cinto era o seu
velho ursinho de pelúcia. Então ela me perguntou se eu tinha visto seu
cachorro. Eu disse que sim. Qual é a cor dele? Amarelo, eu disse. Não, não é
amarelo, ele é preto! E disse que eu não estava vendo direito o cachorro dela.
Estou sim, eu disse. Aí ela me perguntou se ele era bonito. Claro que é! Uma
beleza! Achei que ela ficaria feliz com a resposta. Não, não é, ele é feio,
muito feio, mas eu gosto dele assim mesmo, respondeu. E repetiu que eu não
estava vendo o cachorro e que ele estava ficando muito triste, e ela achava que
ele ia começar a chorar. Estou, estou vendo sim, não se preocupe, eu disse.
Então como ele é, grande ou pequeno? Ah, ele é grande. Não é, ele é muito
pequeninho, não sabe andar, acho que vou ter que levá-lo no colo. Mais uma
pergunta, mamãe, disse ela: ele tem rabo ou cortaram o rabo dele? Espera, deixa
eu olhar direitinho. Acho que cortaram o rabo dele. Nada disso! Ele tem rabo,
olha. Está bem, filha, acho que você tem razão, a mamãe está precisando de
óculos. Então ela falou: vamos, Bobo, vamos passear, e pegou o cachorro do chão
abraçando-o no colo. Ela não é mais sua avó, disse no ouvido dele. Referia-se a
mim. Nesse momento, o pai chegou. Disse para ele que tínhamos novidade. Então
contei que nossa filha tinha ganhado um cachorro de presente e estava muito
feliz. Antes que ela fizesse todas as perguntas e ele errasse as respostas,
perguntei se ele estava vendo o cachorro. Que cachorro? Disse ele. O cachorro
que está no colo de nossa filha, meu bem. Que filha? Disse me olhando fixo.
Livia Garcia-Roza
é carioca e estreou em literatura em 1995 com o romance “Quarto de menina", Editora Relume-Dumará/editora Record; em seguida vieram os romances “Meus queridos estranhos”, editora Record/editora Companhia das Letras; “Cartão Postal”, editora Record e outros romances. É autora ainda de livros de contos e de livros infantis.