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“A palavra & a imagem”: Trabalho da artista visual mineira Lume Ero

Repouso penumbra - durante a greve as máquinas dormem

Exílio

Pastel oleoso sobre papel

VALA

Eu fiz essa imagem baseada em uma foto de um vagão de trem de minério de ferro da Vale S.A em 2019. Mudei o nome da mineradora Vale por VALA, por causa dos rompimentos das barragens da Vale em Minas Gerais, que soterrou muitos corpos, sem poder prever que um aniquilamento maior estaria por vir. Não imaginava que meu irmão, minha avó e mais 580 mil pessoas seriam jogadas na vala por culpa do governo genocida do MALDITO presidente da república.

Véspera do Massacre 63

Esse trabalho, Véspera do Massacre 63, refere-se à madrugada de 7 de outubro de 1963, vésperas do Massacre de Ipatinga, que ocorreu por volta das 9h da manhã. Durante uma greve, dezenas de funcionários da Usiminas e moradores da cidade foram alvejados por tiros de metralhadora disparados pela Polícia Militar. Meu avô, João Martins Pereira, falecido no dia 04/08/2021, foi operário metalúrgico da empresa e estava presente no episódio. Seus relatos fazem parte da minha memória afetiva desde a infância.

Do quintal de terra vermelha da minha casa, na periferia de Ipatinga, podíamos ver as chaminés que expeliam o “pó preto” pela atmosfera abafada da cidade, com labaredas de fogo colossais e largas nuvens de vapor na siderúrgica Usiminas. Neste mesmo período da minha infância, por volta de 1996, meu irmão, três anos mais velho, me contou que um bebê havia sido metralhado pela usina. Posteriormente, descobri que tratava-se de Ângela Eliane Martins, a criança de três meses de idade que foi baleada no colo de sua mãe no Massacre de Ipatinga de 7 de outubro de 1963. Este é considerado o conflito operário mais sangrento e com o maior número de vítimas na história do Brasil.

Ao conviver desde a infância com esse relato histórico e ao mesmo tempo familiar, um alarme vermelho, incisivamente acoplado em meu corpo, ressoa que “a usina mata”. E mais: a usina está em toda parte, não apenas em Ipatinga, mas por todo tecido da sociedade contemporânea. Em cada objeto tecnológico, mercearia, automóvel, rede de esgoto, rede social, namoro e família. No leite de vaca UHT ou no látex de um preservativo usado deixado em uma rua qualquer de São Paulo, Xangai e Nova York. Mas principalmente, tal “máquina de fazer massacre” está instalada sob territórios subordinados à exploração colonial, como no caso dos países periféricos da América Latina, Ásia ou África. Certa de que este cenário apocalíptico não possui endereço fixo, pois locomove-se e manifesta-se com novas acoplagens em diversos territórios e contextos, como as “máquinas de guerra” descritas por Deleuze e Guattari, estabeleci trincheiras no meu próprio corpo.

Circuito do amor carnal

Beber da geometria dissolvida

Picture of Lume Ero

Lume Ero

Nasci no Vale do Aço, em Ipatinga-MG, perto de uma siderúrgica com suas chaminés e nuvens de fuligem de minério de ferro. Meu corpo transgenere e identidade não-binárie, se constroem na dióptrica luminosa da combustão de meus próprios alto-fornos; no complexo industrial sexo-gênero. Sou uma inventora de máquinas eróticas, dispendiosas, desinteressadas ou super excitadas. Na medida que minhas máquinas são produzidas, sempre como máquinas de fazer qualquer coisa — ou coisa nenhuma — me produzo e me transformo com elas. Neste contexto, entendo por máquina qualquer tipo de conjunto produtivo de forças, sejam elas técnicas, sociais, semióticas ou sexuais. No caso do meu trabalho, são fluxos que giram em um abismo espiralado de convergências mecânicas e autoficcionais. Usinas que se estendem para além do limite da minha pele, da bidimensionalidade dos meus desenhos, materiais, processos artísticos e poéticas próprias. Como autômatos espectrais que habitam o mundo.

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