A correspondência, carregada de afeto e profundas reflexões sobre o Brasil, entre dois dos nomes mais importantes do nosso modernismo.
O livro
Da excepcional obra epistolar deixada por Mário de Andrade (1893-1945), a troca de cartas com Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969) é peça fundamental no engenho de construção do patrimônio artístico e cultural brasileiro e no próprio processo de formação da identidade nacional.
Diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, Mário de Andrade foi autor do Anteprojeto do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão do qual se tornaria o mais ilustre funcionário (inicialmente no cargo de superintendente da Regional de São Paulo e depois como seu pesquisador), fazendo-se constante colaborador e interlocutor de Rodrigo M. F. de Andrade, o primeiro e mais longevo presidente do Iphan, diretor da chamada “fase heroica” do instituto.
A correspondência revela o papel de editor, escritor e articulador desempenhado pelo belo-horizontino Rodrigo na parceria construída com Mário de Andrade ao longo de quase duas décadas. Escrita em 1928, a primeira carta traz Rodrigo, no papel de editor-chefe de O Jornal, encomendando a Mário de Andrade um artigo sobre Aleijadinho. A correspondência passa pela edição do livro Homenagem a Manuel Bandeira, por trocas de comentários sobre os livros um do outro, e prolonga-se até o ponto-final que Mário de Andrade poria em sua última obra, a qual investiga a trajetória do pintor das igrejas de Itu, o multiartista padre Jesuíno do Monte Carmelo.
Vencido o prazo de sigilo de cinquenta anos com que Mário de Andrade havia preservado parte de seu arquivo, esta edição traz à luz cartas inéditas de Rodrigo, somando-se ao passo inicial dado por Lélia Coelho Frota em 1981, quando publicou, pela Fundação Pró-Memória do Iphan, o livro Mário de Andrade: cartas de trabalho: Correspondência com Rodrigo Melo Franco de Andrade, 1936-1945. Complexificando o contexto profissional e inclinando-se sobre o importante círculo de amizades que configura o movimento modernista, as notas de Clara de Andrade Alvim, produzidas para este conjunto maior de cartas, oferecem uma leitura plural do dia a dia de trabalho dos autores, sem se afastar da vida literária que os movia.
Autoria
Mário Raul Moraes de Andrade nasceu em São Paulo, em 1893. Poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, foi um dos pioneiros da poesia moderna brasileira. Esteve à frente do Departamento de Cultura de São Paulo de 1935 a 1938, como diretor. Morreu em 1945.
Rodrigo Melo Franco de Andrade nasceu em Belo Horizonte, em 1898. Advogado, jornalista e escritor, foi o primeiro e mais longevo presidente do Iphan. Morreu em 1969, no Rio de Janeiro.
Um trecho
Nota da organizadora
Este livro tem como ponto de partida o esforço de Lélia Coelho Frota, que publicou, em 1985, Cartas de trabalho, a recolha das cartas remetidas por Mário de Andrade a Rodrigo M. F. de Andrade entre 1936 e 1945, período em que trabalharam juntos no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), desde a fundação do órgão até o ano de falecimento de Mário.
Na presente edição, além de reunir às cartas de Mário o lado da correspondência de autoria de Rodrigo M. F. de Andrade, incorporamos cartas inéditas e anteriores ao período do Sphan, arquivadas por Mário de Andrade desde 1928.
À anotação da missiva feita por Clara de Andrade Alvim especialmente para esta edição, adicionamos notas advindas da edição de Lélia Coelho Frota, compostas para as cartas de Mário de Andrade, identificando-as pelas iniciais lcf. Estas, quando reposicionadas em cartas de Rodrigo, tiveram o deslocamento indicado, fazendo-se assim a referência ao livro precedente.
A iconografia que compõe o livro foi organizada em dois ambientes, um de registro documental que acompanha as cartas, e outro artístico, composto por ensaios fotográficos que refletem a grandeza do patrimônio nacional e da ação dos autores. De igual peso é o Apêndice, organizado com documentos de importância central para os debates entretidos nas cartas.
Quanto aos critérios adotados na transcrição das cartas, padronizamos os cabeçalhos e atualizamos a ortografia pela norma vigente, respeitando-se, porém, determinadas idiossincrasias linguísticas dos autores. Conservamos a pontuação original, sempre que a clareza da expressão não foi prejudicada, assim como estrangeirismos, brasileirismos e a oscilação de alguns padrões de grafia. Mantivemos ainda as abreviações típicas da escrita epistolar, que também comporta lacunas sintáticas e formas que escapam às normas gramaticais.
Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1928
Mário,
vão aí as fotografias das obras do Aleijadinho para. escolher as que devem ilustrar seu artigo. Incluí uma da igreja das Mercês de Cima, cujo pórtico me parece ter sido ornado por ele também. V. dirá se foi mesmo ou não.
Até agora ainda não tracei um plano preciso do número especial do Jornal dedicado ao estado de Minas.ii Tenho ideia de que há um artigo interessante a fazer sobre os mineiros em São Paulo, desde os que vão se meter em política, como o Bernardino de Campos, ou plantar café, como os Junqueira, até os trabalhadores de enxada que batem à procura dos salários altos. Quem poderia escrever isso aí?
Faço questão da colaboração do Couto de Barros e do Alcântara. Estou assuntando o que hei de pedir a eles. E o Oswaldo, que andou com V. por tudo quanto é cidade considerável de Minas?
O Manuel jantou hoje aqui e devia fabricar comigo um esquema do número do jornal. Mas ficamos conversando à toa e ele foi-se embora sem nadar ficar assentado.
Já estou com saudade de São Paulo. Chegando aí depois de onze anos, tive a impressão de quem sai da província e dá pela primeira vez na capital, no grande centro. O bairrismo de Inah exultou com isso, ao que me disse Manuel.
Em todo caso, não escrevo essas coisas em jornal como queria o Chateaubriand, porque podem pensar que eu também mineiro do centro, estou preparando terreno para aderir à candidatura do Júlio Prestes. Na verdade, os outros começam assim mesmo, dizendo que São Paulo é isso e aquilo e acabam pedindo dinheiro ao Rolim Teles. Seguro morreu de velho.
Diga, por favor, ao Yan de Almeida Prado que pode mandar o trabalho logo que esteja pronto, porque não quero perder tempo de iniciar a composição do número.
Um abraço do
Rodrigo
Rua Bulhões de Carvalho, 132
Copacabana
Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1928
Mário,
os originais para o número do Jornal dedicado a Minas podem chegar às minhas mãos até segunda quinzena de dezembro, porque a publicação só se fará depois do Natal. Assim, se V. achar que a pressa é que torna ruim seu trabalho, escreva a coisa sossegado: não precisa correr.
Mas o que me parece é que V. chama de ruim toda crítica que não apresenta um ou muitos pontos de vista inteiramente novos. Se seu pessimismo a respeito do trabalho sobre o Aleijadinho decorrer desse conceito rigorista, só disso – deixe de escrúpulos e mande logo o artigo. Se, entretanto, V. estiver achando que a coisa sai “matada” pela pressa, durma na pontaria por mais um mês ou um mês e meio.
Lembranças aos amigos daí. A V. um abraço afetuoso
do Rodrigo
Rua Buenos Aires, 85 (3º andar)
GÊNERO Não ficção brasileira
CATEGORIA Cartas
CAPA Anderson Junqueira
PÁGINAS 528
PREÇO r$ 104,90
ISBN 978-65-5692-419-9
PREÇO E-BOOK r$ 69,90
E-ISBN 978-65-5692-423-6