“A tarde morria meio escura. Quando chegou à esquina, viu que o trânsito era interrompido por um grande enterro. (...) Mas o acompanhamento era enorme  - um acompanhamento interminável, de automóveis  de capota arriadas, as lanternas acesas e os motoristas de cabeça descoberta. O rapaz era querido...”


Assim João do Rio descreveu o cortejo após a morte de um dos personagens do romance  “A profissão de Jacques Pedreira”, a obra foi lançada inicialmente em capítulos no jornal Gazeta de Notícias, em 1910. Onze anos depois, exatamente no dia 23 de junho de 1921, o que ele escreveu como ficção se tornou realidade.  

Os jornais de época contaram que cem mil pessoas apareceram no cortejo que levou o corpo de João Paulo  Alberto Coelho Barreto do Silogeu. O percurso saiu da sede da Academia Brasileira de Letras na Lapa até o cemitério  São João Batista. Tinha apenas 39 anos e não suportou um infarto fulminante. Estava em um táxi entre as ruas Bento Lisboa e Pedro Américo.

– João do Rio está morto!

Cronista, contista, romancista (foram apenas três) dramaturgo e essencialmente repórter. Sua alma encantadora percorreu o submundo carioca, lutou por seus ideais e viu de perto os principais acontecimentos de seu tempo. Dialogou com  ministros, presidentes, generais e também com putas, presos e pivetes.

Esteve cara a cara com o chinês que vendia ópio e também com a Princesa Isabel, já no exílio na França. Entrevistou cocheiros na praça 15  e também o poderoso senador Pinheiro Machado, pouco antes de ser assassinado. Observou com curiosidade os papa-defuntos da Santa Casa, assim como o presidente norte-americano Woodrow Wilson na Conferência da Paz, em Paris. Viu de perto Tia Ciata e seu terreiro de candomblé na Praça Onze, viu também o Papa Bento 15, no Vaticano. Subia favelas e se encantou com a bailarina Isadora Duncan.

Os seus contos e peças de teatro misturavam Edgar Allan Poe, com Machado de Assis, Arthur Azevedo, Aluisio de Azevedo, Oscar Wilde, Emille Zola, Jean Lorrain, entre outros. Um dos temas mais frequentes em sua obra foi sobre o esnobismo dos mais ricos. Os personagens Eva e Jacques Pedreira são exemplos da ignorância de nossa elite. Já no conto “O bebê de tarlatana rosa”, uma foliã sinistra com nariz postiço atiça o narrador. A criatura estranha só podia gozar nas noites de carnaval. Ela acabou desmascarada. Em outro conto, um homem perturbado tem a tara de enfiar alfinetes no corpo das mulheres. Em outro texto, um jovem rebelde que deixa o cérebro de lado e em seu lugar usa uma cabeça de papelão. O imbecil quase virou ministro. 

João do Rio flanou, entrevistou, brigou e escreveu muito. É até hoje meu objeto de pesquisa, ajudei a escrever dois livros sobre ele. Um trabalho inédito de como o cronista analisou a Primeira Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes. Ele me ensinou muita coisa e me apresentou um mundo novo, meio Belle Époque, meio naturalista, meio expressionista, alternativo e bem estranho. Ensinou ainda que os problemas cariocas são centenários; que é difícil quebrar preconceitos e quanto o Rio de Janeiro é exuberante em diferentes aspectos. Foi o mais jovem e o primeiro a usar fardão como “Imortal” da ABL, pioneiro na luta feminista e trabalhista.

São cem anos sem João do Rio. Um dandy que amava a França, mas também valorizava a cultura brasileira. Um homem-extremo, um homem de letras com todas as virtudes e defeitos de seu tempo. Ninguém é perfeito.

João do Rio amou a rua e flanou pela “snob” Sebastianópolis. Sua vida vertiginosa é aqui homenageada, eu espero que não seja esquecida.  

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Leonardo Cohen

É jornalista e pesquisador.

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