A história de Aftersun (2022, Charlotte Wells) começa com as férias de um pai e uma filha a caminho de um arquétipo de vila turística na Turquia, um destino de férias barato para turistas predominantemente britânicos.
Fazemos uma viagem de volta no tempo até a infância da protagonista, Sophie, por meio de vídeos caseiros gravados durante as férias de verão que ela passou com o pai, sendo esta a linha do tempo principal do filme.
A abordagem geral do filme faz com que o espectador realize essa viagem de volta à infância com a protagonista para mergulhar em descobrimentos de suas lembranças e ver indicadores, gestos ou qualquer detalhe que a ajude a encontrar as respostas de que tanto precisa: o que era real e o que era fruto de sua imaginação, de seus sentimentos e de sua melancolia?
À primeira vista, as sequências minimalistas e hipercostumbristas do filme não parecem revelar nada muito esclarecedor, mas, à medida que o filme avança, encontramos e reunimos detalhes sutis que, por si próprios, não significam nada, porém cobram sentido no conjunto e no desenrolar dos conflitos. Ao utilizar as memórias e os vídeos da protagonista, não nos deparamos com um formato linear típico de eventos, mas somos subjugados à subjetividade de sua história pessoal.
O longa-metragem de estreia de Charlotte Wells está repleto de verdade; apesar de ter declarado que se trata de ficção, Wells confirmou que partes do processo de escrita tinham pequenos tons autobiográficos, embora ela tenha reiterado que seu próprio relacionamento com o pai não foi capturado, não obstante ela tenha se baseado sutilmente em detalhes.
Aftersun é uma obra que gira essencialmente em torno de seus dois personagens principais e pode não agradar a todos; é de combustão lenta, lembrando filmes como La Vie d’Adèle, de Abdellatif Kechiche, com closes que se estendem em sequências altamente costumbristas e naturalistas.
Há uma clara sensação de que o tempo está parado durante todo o filme, e isso dinamiza a jornada dos personagens à medida que desvendamos o relacionamento entre pai e filho pouco a pouco. O filme, assim como a vida, tem seu ritmo particular e, se quisermos entrar nessa história melancólica, devemos aceitar suas regras.
Aftersun está para Paul Mescal e Francesca Corio como Paul Mescal e Francesca Corio estão para Aftersun. Os personagens são muito bem interpretados e construídos. De um lado, temos Paul Mescal (que alcançou o reconhecimento do mainstream após sua atuação na série Normal People, adaptada do romance de Sally Rooney), que defende seu personagem com todas as particularidades que o cercam com tanto sucesso que foi indicado ao Oscar de melhor ator. Por outro lado, temos a jovem Francesca Corio, que estreia como atriz nesse filme, embora isso não seja um impedimento para alcançar a qualidade interpretativa de seu parceiro Mescal, destacando a quantidade de recursos dramáticos que possui, apesar de sua pouca idade.
A conexão e a sinergia entre os dois atores são impressionantes na tela. O diálogo, os olhares, a maneira como interagem são fundamentais, além da direção de Wells, para o sucesso da conexão com o espectador.
Esse é um filme íntimo, lento, reflexivo e retrospectivo que tem sido uma das grandes surpresas do ano passado. Certamente ficaremos de olho nos futuros projetos de Wells.
AFTERSUN
TRAILER
Yolanda Rodríguez
Nascida na Espanha, Yolanda Rodríguez é tradutora e intérprete, licenciada pela Universidad Autónoma de Madrid, especialista em tradução audiovisual. Atualmente é coordenadora de edição e de operações de conteúdo na Paramount Espanha.