Não imaginaria a que grau de consumo o planeta chegaria, de consumo toda gente consumindo-se entre o néon, o lusco-fusco das catedrais infames, o shopping sem nenhum eufemismo erigido ao lado de igrejas de prosperidade vendida no atacado com Deus emudecido por rubor. A contestação foi cooptada, o sexo livre cooptado, nosso desejo desviado, Pier Paolo, cooptado por siglas estilos senhas códigos de barra nada mais subverte: a sodomia, o tão caro ‘fellatio’! a assepsia de corpos sarados, onde os antros onde as tavernas escusas onde o amor depravado nos cárceres a pegação além do Trastevere o pagamento rápido desculpa ao vício suarento entre ‘maschios’ carregados de culpa doce torpe ao deparar mulher e filhos mas sempre voltando ao beco desafortunados da vida doméstica dilapidados da sorte do capitalismo esse nazismo em conta-gotas Pier Paolo! só no sexo purificado de coito que põem gente nesse mundo maldito o sexo dos camaradas o sexo invertido cátaros dos subúrbios goliardos das vias interditas a burguesia cruelmente comportada desgarrados do mercado soltos da monetarização do cotidiano poetas dum comunismo do corpo Pier Paolo! e nem é tanto o sexo são seus arredores a delicadeza da púbis insedenta à interpenetração estéril o paroxismo de todas poluções em vigília todos toque irredentos culminados no langor do cunilingus tão imperial tão de novo romano as axilas bagos coxas em espasmos frêmitos nenhuma concessão ao senso comum nexo causal à familiaridade dos bem nascidos o escândalo monogâmico perpetuado em tratados venalidades acordos pecuniários!

A santidade profana do amor entre iguais, a intimidade ao cúmulo garantindo o imaculado prazer de toda espécie tal como Édipo tal como no Evangelho de São Mateus o ‘noli me tangere’ fundamental Pier Paolo… a bruteza compartilhada para manter toda criação purificada de propósitos que não a contemplação nulificante de perpetuação que não o eco da poética dos sentidos esbarrados. Que nos insultem e não insultam: ‘froscio’, ‘finocchio’, não sabendo maravilhas desses raros beijos, a maravilha de nosso estranhamento do mundo, a maravilha furtiva porque o mercado não nos sequestrará nossa especificidade, o tanto à sensibilidade se nos oferece compensação pela solitude dote da opressão milenar? quanto mais sensibilidade maior o sofrimento dizia nosso ‘fratello’ Leonardo ao mesmo tempo que nos aguça a ‘cosa mentale’ tributária do peculiar desejo que não nos obseda ainda que persistente porque não existe outra palavra tão linda quanto desejo e em nenhum idioma tão lindamente dita: “desidero”, Pier Paolo! desidero muscular dum corpóreo exalando disponibilidade no martírio e no gáudio, fortalecendo-nos nesse comunismo do corpo em falanstérios do espírito, cruzados dessa franco-maçonaria de cumplicidade no olhar, Pier Paolo, adestrados pela dissimulação forçada nos sanitários nos banheiros coletivos nos jogos juvenis nos reposteiros nas portas entre-abertas, atores nunca farsantes moldados à criptografia, às minudências sem nenhuma auto-comiseração somos desde percebidos os que resistem, os que não titubeiam, os desnudados pela vida, Pier Paolo! a poesia seja  nossa “koiné”, nossa língua franca como teu friuliano porque antes e depois de tudo fostes visceralmente poeta e sabes que nada mais subversivo nada! só a poesia em seu espectro radical de arte e vida Pier Paolo mobiliza todas forças da revolução! Recomendo-te um poeta nosso, o espanhol Leopoldo Panero porque só a loucura associada a essa nossa poesia puta há de salvar o que resta dessa Terra moribunda… Pier Paolo…

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Flávio Viegas Amoreira

É escritor e agitador cultural.

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