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“A tragédia de um exilado” – Por Leonardo Cohen

Na derradeira luz do dia
É que a paisagem se libera;
E o homem ama a vida à vera
Quando, no escuro, a renuncia.

Pressentimento – Stefan Zweig (1881-1942)

A casa estava em silêncio. Talvez em cima da mesa um tabuleiro de xadrez com as peças em seus respectivos quadrados, como se alguém estivesse jogando ainda. Era manhã do dia 23 de fevereiro de 1942, pelas janelas entravam aquele vento frio típico da cidade serrana de Petrópolis. A empregada aprontava o café. Chamou por eles. Silêncio. Horas depois, ao procurar pelos patrões, precisou arrombar a porta com ajuda de vizinhos, ela os encontrou:  casal gelado, abraçado, estático, jazia na cama de um dos quartos. Desaparecia um dos maiores escritores de língua alemã de todos os tempos. O austríaco Stefan Zweig e sua mulher Lotte Alttmann desistiram de tudo. Não suportaram a possibilidade de uma vitória nazista. De fato, os alemães avançavam rápido pela União Soviética. O Brasil já começava a sentir os efeitos da guerra, embarcações brasileiras passaram a ser alvos dos tedescos.

A Europa que Zweig conheceu e amava não existia mais. Seus livros foram queimados em praça pública. Arte degenerada produzida por um judeu. Ele teve sorte, conseguiu fugir antes, assim como o amigo Sigmund Freud. A sua Áustria já tinha sido dominada pelo nacional-socialismo e o Auschluss estava em plena atividade. Um cruel compatriota controlava tudo.

O vento de Hades corre rápido. A rua Gonçalves Dias, 34, se encheu. Lá morava um  exilado, que fugiu para não ser morto, mas preferiu morrer nos trópicos, assim como o poeta da Canção do Exílio.

Viveu nesta casa apenas seis meses, tinha sessenta anos de idade. Foi durante a Primeira Grande Guerra que ele se fez um pacifista convicto e favorável a uma Europa integrada, sem fronteiras. Stefan Zweig era curioso e viajou muito. Esteve no Brasil pela primeira vez em 1936 para uma série de palestras. Gostou do país. Quatro anos depois veio em definitivo junto com a mulher. Getúlio Vargas lhe deu guarida, até porque o imigrante era uma celebridade internacional. A benevolência do ditador.

A fama de grande escritor de romances e biografias (Maria Antonieta, Maria Stuart  e Balzac, entre outros) foi importante para escapar das garras dos antissemitas e não terminar numa câmara de gás.

Foi amigo ou teve contato com Herman Hesse, Arturo Toscanini, Auguste Rodin, Seguei Eisestein, Salvador Dalí, Richard Strauss… Na terra das palmeiras, escreveu o livro que virou um clichê nacional, um sobrenome eterno: Brasil, um país do futuro. Um libelo do paradisíaco país, um lugar onde se encontra na rua pessoas de diferentes matizes de pele a andar juntos, sem problema. Algo inimaginável para um europeu nos anos 1940. Dizem que essa obra foi determinada por Vargas em troca do visto de permanência. Dizem…

Stefan Zweig se encantou com o sol, as cores vibrantes, as árvores, o café, os rios. Se irritava com atrasos e jeitinhos. Estudou a nossa História e conheceu várias cidades, do Rio de Janeiro até Belém, passando por São Paulo, Bahia e Minas Gerais. O Brasil era um paraíso surreal.  

Petrópolis era seu refúgio. A cidade de clima frio e arquitetura européia era um oásis. Lá, ele escreveu Xadrez, uma novela. Uma vítima do nazismo vence uma batalha no tabuleiro de xadrez contra um campeão. Tormento, memória e tortura se juntam na cabeça do jogador inesperado. Outras obras se transformaram em peças e filmes, o último O Grande Hotel Budapeste (2014). Contudo nem as maravilhas brasileiras o fizeram mudar de idéia e cometer o ato final. Barbitúricos aceleraram a passagem.

Como é típico dos suicidas, uma carta foi deixada para explicar suas razões, a principal delas: a desilusão com a humanidade. Em “Declaração”, destaco as últimas palavras:

“Saúdo todos os meus amigos! Que ainda possam ver a aurora após a longa noite! Eu, demasiado impaciente, vou-me embora antes.”

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Leonardo Cohen

É jornalista e pesquisador.

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