Ottawa, 22 de agosto de 2020

Estava a digitar quando vi o esquilo cinza. Esquilo tem origem no termo grego “skioúros”. Se o leitor pesquisar, veja se “skia” é sombra; se “oura” é cauda em grego. A ideia seria o animal-sentado-na-própria-sombra. Os afrodescendentes são mais precisos ao descrever a habilidade de subir em árvores. Caxinguelê é oriundo do termo quimbundo kaxinjiang’elê, que significa “rato de palmeira”. Os nossos nativos, por sua vez, fizeram uma própria taxonomia com observação sobre o tamanho, comparando-o a outro animal. Quatimirim origina-se do termo tupi kwa’ti mi’rim, que significa “quati pequeno”. Seja com que nome for vestido, ele subiu na árvore lilás e saltou sobre o comedouro de alpiste que Socorro fez, situado a um metro abaixo do galho. Com habilidade de circo, saltou sobre o objeto de desejo, às seis da matina, quase rompendo o fio de arame que o sustentava.

    Aqui eu preciso descrever a pequena invenção de minha esposa – o Alpisteiro. Trata-se de uma garrafa PET, abreviatura de polietileno tereftalato, adaptada manualmente para conter alpiste, à qual se acoplou uma base, aparafusando-a, sem porca, com cola quente, feita de metade de embalagem de plástico rígido, originalmente feita para conter alimento frio (“mozzarella”). Essa base serve de apoio dos passarinhos quando a degustar os grãos de phalaris canariensis. Acima tem outro quadrado de idêntico polímero, cuja função desconheço e suponho seja um obstáculo desenhado contra o esquilo. Vem atarraxado com a tampa da garrafa, por meio de um furo feito a canivete, tomadas as medidas devidas. O conjunto é harmonioso e tem sido a alegria de todo passarinho da redondeza. O cardeal é uma constante visita, com vermelhos de praxe e escarlates ocasionais.

    Os esquilos, porém, consideram injustiça aquele artefato humano destinar-se apenas aos seus semelhantes dotados de plumas. Ato contínuo, um ladrão cinzento, atlético, acorda cedinho para cometer o crime. Pulou uma vez do galho a que subira, quase derrubando o alpisteiro. Ia pular de novo, mas parou, a cauda girando em círculo nervoso. Assobiei sem pensar. O som produzido pelos meus lábios adrede endurecidos, como uma advertência, fez o roedor de porte avantajado interromper o salto. Prosseguiu, recuperado do susto, o olhar fixo no objetivo, a cauda a girar excitadamente. Assobiei outra vez, imperialmente, com jeito de proprietário mais que de inquilino. A criatura imobilizou-se, tensa, lisa, significativo número de músculos à espera da ordem para o movimento coordenado. Era um novo Prometeus decidido a roubar o fogo dos deuses.

    Eis que surge, no instante precário, enviado pelo Curupira, um famoso espião: o caxinguelê preto. Veio ao jardim, olhou para cima e mirou o alpisteiro. Sem ligar para o cinza que ali chegara antes, subiu pelo tronco da “lilac tree” e andou pelo galho que o levaria até o cobiçado tesouro. O quatimirim cinza foi rápido até onde o rival se achava, expulsando-o com garras velozes e sem um som (identificável por orelha humana). O preto se foi, pro mato, com seu pretume. Ergui os olhos da tela, passados alguns minutos da arenga, focando no jardim, no lilás, no quatimirim. Chamarei de Cinzento.

    Pois bem, leitor, notei que Cinzento estava  ou parecia haver desanimado. Por algum motivo, cansara de cobiçar o que era dos pássaros. A cauda pendia, imóvel, mais longa que o corpo. E assim ficou algum tempo, inda a olhar a parafernália vazia. Terá finalmente percebido o vazio no alpisteiro, pensei com meus botões. Sumiu pelos galhos. Logo vieram esquilos menores em busca do alpiste eventualmente derramado. Nem sombra do cardeal.

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Davino Sena

É cronista, poeta e diplomata.

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