OS GIRASSÓIS DE ODESSA¹

Quando a lua abre caminho
entre os girassóis de Odessa
sei de um perfume que arrepia os campos:
Spasiba, Trachimbrod.

Em cada haste na terra fértil
pétalas, feito moinhos, retêm do vento
o conto inquieto de outros cantos:
Spasiba, Trachimbrod.

Sei de uns seios firmes, calmos, brancos
de cujas tetas mornas sabe a chuva
e o leite branco a esperar nas portas:
Spasiba, Trachimbrod.

AFEGÃO

O afago do afegão
sobre a barba de outro

é feito

afago de mãe

que não recebeu jamais

carinho de filho.


O afago do afegão

sozinho

é o maior dos carinhos.

TALIBÃ

Pense na barba do Talibã
Na textura dos pelos secos e empoeirados
Onde os traços do rosto se perdem
Cavados na terra feito as vias do país

Zeloso ele guarda o fuzil
e a paz de seus companheiros:
todos solteiros.

ALI KHAN

Ali Khan é avô
de outra menina
sem nome e sem
um dos olhos, o
esquerdo, que só
com o direito pode
ver a fumaça:

Minas brotam do chão.

Ali Khan e a neta
assistem à explicação:
sob as oliveiras o instrutor
descreve minas, bombas,
toda sorte de munição.

Outras crianças afegãs
sem nome, sem idade
têm o rosto tocado
pelo vento que arrasta
as folhas das árvores:
manhã de sol do afegão.

Devem aprender
onde pisar no chão
onde não tocar
onde se esconder.

Com 4, 5, 6 anos
as crianças afegãs
não têm idade.

Ali Khan também não.

O VOO DO AFEGÃO

Hoje vi um afegão voando
direto das asas de um avião.
Não era um juiz brasileiro,
não era um caça espião.

Era um homem sem asas
No meio de algum lugar
Caindo sentado no chão.

O poema Os Girassóis de Odessa¹ integra o livro “Noite Grande” (2017). Os poemas afegãos são inéditos.

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Luis Gustavo Cardoso

É músico e escritor. Publicou o livro de poemas “Noite Grande”, Editora Areia, 2017.

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