Ninguém escreve como…
Ao completar a frase acima você terá identificado, ao menos para você mesmo(a), a arte de um(a) grande escritor(a). O impacto da arte consistente está em ser incomparável: seu domicílio não parece ter vizinhos e se localiza de pronto.
Ninguém escreve como Dalton Trevisan.
Constituiu-se como o “vampiro” de uma cidade e passou a se mover muito particularmente dentro dela, vale dizer, dos espaços domésticos ou públicos sombrios de seus personagens deserdados que se movem ou se imobilizam impiedosamente flagrados em centenas de pequenos contos. Seus personagens não são seus leitores: são os excluídos da dita civilização que atende, a partir da pequena classe média, os que sonham com os degraus acima.
A linguagem de Dalton, entre a extrema secura sintática, a força desnorteante de imagens súbitas, os rótulos definidores de almas, atitudes e condutas, parece repetir-se interminavelmente ao longo dos contos; muitos o acusam disso. De fato ela se repete, mas a cada vez sublinhando uma pequena circunstância que não mais voltará e que se mostra, assim, em sua minuciosa singularidade Dessa incansável variação do quase-o-mesmo vive a arte meio hipnótica de Dalton: aos leitores que chegam aos seus livros ele reserva mordidas fortes que ele suspeita serem também inúteis, em seu dúbio encantamento. Tal vampiragem não faz cessar, é claro, a sangria social, na verdade ela se nutre do que sangra, enquanto nos impõe o reconhecimento do mundo que nós, leitores de Dalton, podemos repudiar como centro de injustiças irreparáveis. Mas, na arte, nenhum repúdio pode deixar de ser belo, nenhum nonsense se faz inteiramente sem sentido, nenhum absurdo deixa de ter forma assegurada: são belos os contos de Dalton Trevisan.
Ele prossegue habitando, aos 97 anos, um velho casarão em Curitiba, que faz jus a um vampiro tão formidavelmente criador e cúmplice tão íntimo dos seres “desgracidos” que acolheu, cujos traços espantosamente grotescos, dolorosos e poéticos condensa em páginas tão pessoais. Ninguém escreve como ele.
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Alcides Villaça

é poeta, ensaísta e crítico literário brasileiro. É professor da Universidade de São Paulo desde 1973, tendo como foco de pesquisa a literatura brasileira, particularmente Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto

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