Publicada pela Editora 34, a obra tem tradução, organização, apresentação e notas de Luis Felipe Labaki

Autor de clássicos como O homem com a câmera e a série Kino-Pravda, Dziga Viértov (1896-1954) foi pioneiro de uma linguagem própria para o cinema, cortando os laços que ainda o atavam ao teatro e à literatura. Na Revolução Russa de 1917, o diretor participou dos agit-trens, percorrendo um país em convulsão nos vagões onde eram projetados filmes para camponeses, soldados e operários. Durante toda a sua trajetória, praticou e defendeu o lema de seu amigo Maiakóvski, segundo o qual não há arte revolucionária sem forma revolucionária, pagando um alto preço a partir do momento em que a cartilha do realismo socialista foi imposta pelo stalinismo.

A partir do gênero do cinejornal, Viértov quis “apanhar a vida de surpresa”, criando filmes que responderam à urgência do momento em que atuava. Como explica Luis Felipe Labaki, tradutor e organizador do volume, o diretor fundia na película um amplo arco de influências, como a música de Scriábin, a produção de agitação e propaganda, o construtivismo e a poesia futurista de Maiakóvski e Khliébnikov. A originalidade de seu pensamento rendeu debates com Eisenstein, René Clair, Chaplin e outros gigantes de seu tempo. Quando, após Maio de 1968, Godard, Jean-Pierre Gorin e outros quiseram levar às últimas consequências os experimentos da Nouvelle Vague, criaram o Grupo Dziga Viértov. E hoje, na Babel de imagens em que vivemos, o diretor segue inspirando novas gerações.

Embora referência incontornável, Viértov teve pouquíssimos escritos publicados em nossa língua e quase sempre em traduções indiretas. O presente volume busca reparar essa lacuna, reunindo manifestos, roteiros, artigos, projetos, cartas e poemas, todos eles traduzidos do russo, com vários inéditos, acompanhados de mais de cem imagens da Coleção Dziga Viértov do Österreichisches Filmmuseum de Viena.

Texto de orelha

O leitor tem diante de si um livro extraordinário. Luis Felipe Labaki, com enorme competência e tenacidade, cumpriu um inusitado programa de pesquisa. Uma autêntica proeza: a organização de uma amplíssima e original coletânea de escritos de Dziga Viértov, por ele traduzidos do russo, incluindo textos raros dentre os encontrados no Arquivo Estatal Russo de Literatura e Arte, em Moscou. Sua pesquisa in loco permitiu cobrir todo o percurso do escritor e cineasta de 1918 a 1953, ou seja, até poucos meses antes de sua morte em fevereiro de 1954.

Temos ao nosso alcance um raro acervo de artigos, manifestos, roteiros, depoimentos e poemas deste notável polemista que sempre se posicionou em defesa do filme “não-ficcional” em seus diversos gêneros: do cinejornal (Kino-Pravda/cinema-verdade) e do documentário (Kino-Glaz/cine-olho) ao filme experimental, formas que alimentaram a sua criação sempre conduzida sem concessões. Um exemplo de rara coerência e coragem que gerou muitos conflitos e boicotes vindos dos burocratas do quadro institucional do cinema, que acusaram Viértov de “formalista” e recusaram muitos de seus projetos, chegando a engavetar alguns de seus filmes que, tendo chegado à cópia final, simplesmente não foram lançados. Um cerco que o isolou de vez no período final de sua vida.

Cine-Olho: manifestos, projetos e outros escritos esclarece todos estes processos vividos por Viértov. O livro é composto de oito partes, cada qual englobando uma fase do percurso do cineasta e poeta; uma divisão apoiada em um percurso linear cuja coerência é confirmada na medida em que avançamos na leitura. Esta ganha em profundidade e alcance graças à documentada introdução de cada parte, nas quais o organizador esclarece as condições dentro das quais os textos foram escritos e tece comentários sobre seu conteúdo e sua relação com os filmes do cineasta.

Viértov foi um dos protagonistas de um momento especial da reflexão sobre cinema em sua relação com os movimentos da arte moderna do início do século XX. No seu caso, tal diálogo se deu com o futurismo russo e o construtivismo, em especial com seu amigo, o poeta Maiakóvski. Os anos 1920 e a virada para os anos 1930 constituíram um período em que os escritos dos cineastas trouxeram uma forte impulsão ao debate de ideias e propostas que se traduziram em sua prática de realizadores. Trouxeram argumentos em defesa de um cinema inovador e, no mesmo movimento, uma incisiva resposta à pergunta “O que é o cinema?”. Assim procedeu Viértov, o mais balizado inventor do “filme dentro do filme”: a “cine-sinfonia” O homem com a câmera (1929) — o maior clássico do metacinema, inspirador de cineastas modernos como Godard e Chris Marker.

Com textos pela primeira vez traduzidos diretamente do russo, este volume é a mais completa seleção de escritos de Dziga Viértov em língua portuguesa. Um verdadeiro privilégio.

Ismail Xavier

Tradução: Luis Felipe Labaki
704 p. – 16 x 23 cm

ISBN 978-65-5525-095-4
2022 – 1ª edição

Picture of Dziga Viértov

Dziga Viértov

(David Ábelevitch Kaufman) foi um dos principais realizadores e pensadores do cinema soviético. Nascido em Bialystok, em 1896, no Leste da Polônia (então parte do Império Russo), filho dos donos de uma importante livraria da cidade, estudou em Petrogrado e em maio de 1918 tornou-se secretário administrativo do Departamento de Cine-Crônicas do Comitê Cinematográfico de Moscou, iniciando sua carreira no cinema. Em mais de três décadas de atividade, realizaria várias obras entre cinejornais, curtas, médias e longas-metragens, deixando ainda inúmeros projetos não realizados. Dentre seus trabalhos mais famosos estão a série Kino-Pravda (1922-1925) e os longas Cine-Olho: A vida apanhada de surpresa (1924), A sexta parte do mundo (1926), Três cantos sobre Lênin (1934) e O homem com a câmera (1929), este um dos mais renomados filmes da história do cinema. Ao lado de parceiros de trabalho como a montadora Elizaviêta Svílova, com quem se casaria em 1923, e seu irmão, o cinegrafista Mikhail Kaufman, organizou o grupo Cine-Olho e desenvolveu um método próprio de criação, abolindo as fronteiras entre ficção e documentário. Acusado pela burocracia soviética de ser um “formalista”, nas duas últimas décadas de vida foi relegado ao semiesquecimento, mas após a sua morte, em 1954, sua obra foi recuperada, e hoje Viértov é considerado um dos diretores de cinema mais influentes do século XX.

Picture of Luis Felipe Labaki

Luis Felipe Labaki

Nasceu em São Paulo, em 1990. É cineasta, pesquisador, tradutor, além de autor de trilhas sonoras e peças de teatro. Formado em Audiovisual pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo em 2013, defendeu seu mestrado pela mesma instituição em 2016, com a dissertação “Viértov no papel: um estudo sobre os escritos de Dziga Viértov”. Em 2017 foi co-curador da retrospectiva de documentários soviéticos “100: De Volta à URSS” que integrou o 22º É Tudo Verdade — Festival Internacional de Documentários. Como diretor, realizou os curtas-metragens O pracinha de Odessa (2013, um retrato do professor e tradutor Boris Schnaiderman), Que tal a vida, camaradas? (2017), Um guarda real (2019) e A maior massa de granito do mundo (2020). Atualmente é doutorando em História, Teoria e Crítica do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP.

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