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“Os Centauros” – conto inédito de Luis Dolhnikoff

Todos os fins de tarde, na volta do escritório, parava de pé ao lado dela, deitada no divã da sala, e observava demoradamente a pele pálida, quase translúcida, dos seios.

Um dia, quando ela afastou devagar a pequena cabeça do bebê, e uma gota de leite aflorou na ponta do mamilo tenso, ele pousou levemente a mão aberta sobre a gota, depois esfregou a palma da mão na outra, segurou seu rosto com as duas mãos, abaixou-se e a beijou.

No dia seguinte, outra gota aflorou na ponta recém exposta do mamilo, e ele outra vez pôs devagar a palma sobre ela. Mas não levou a mão aberta à outra, e sim à ponta da sua língua, enquanto, em silêncio, sorriam, serenos.

No terceiro dia, outra gota se expôs, mas ele não moveu a mão. Curvou-se, abaixou a cabeça e lambeu-a com delicadeza.

 No quarto dia, sugou-a e em seguida entreabriu um pouco os lábios, descendo-os ao longo do mamilo úmido, até pousarem sua mucosa lisa sobre a mucosa espessa da auréola.

No quinto dia, ajoelhou-se ao seu lado, aproximou os lábios do mamilo e sugou seu leite pelo curto tempo de contrair devagar a boca em volta dele. Então o soltou, ficou de pé e sorriu suavemente. Os olhos dela iluminados de serenidade.

No sexto dia, assim que ela pôs o bebê no berço ao seu lado, segurou um seio por baixo, comprimindo-o e erguendo-o, como fazia quando o oferecia ao filho. Ele se ajoelhou e mamou por um longo tempo.

Logo se tornou um novo hábito. Ela amamentava o filho, depois o pai. Ele não se sentia quebrando qualquer esquecido tabu, ou desnutrindo sua maturidade. Não sentia nada de moral, incluindo qualquer imoralidade. Sentia somente o gosto do leite, o cheiro dela, o calor do seu corpo, a mornidão do seu olhar. Ela gostava de seu homem poder ser, também, seu menino.

Um dia, ela amamentou o bebê depois do banho, vestindo apenas um longo roupão branco. Quando o bebê terminou, ele tirou a roupa antes de se pôr de joelhos.

Mamou por um momento, e então, em silêncio, sem tirar os lábios do mamilo, ergueu-se um pouco, apenas o suficiente para pôr uma perna, depois a outra, e então o resto do corpo, sobre o divã, deitando-se devagar ao lado dela. Num movimento rápido, mas delicado, se arrastou em seguida sobre ela, e se deitou sobre seu corpo atoalhado, e afastou suas pernas com as dele, e a penetrou.

Ela se sentiu cortada ao meio como se por uma serra elétrica. A metade de cima do seu corpo, cujas sensações convergiam todas e inteiramente para o mamilo que ele ainda sugava, e a metade correspondente da sua mente, cujas emoções jorravam mais forte do que o leite, mas sem qualquer direção, eram as de uma mãe, de uma mãe quando mais repletamente maternal. A metade de baixo do corpo, cujas sensações convergiam inteiras e totalmente para a vagina que ele penetrava, e a metade correspondente da sua mente, cujas emoções transbordavam mais intensas do que o sêmen no auge do orgasmo, e, como ele, em espasmos, eram as de uma fêmea, de uma fêmea quando mais sobejamente feminina.

Ele, ao contrário, ao mesmo tempo o macho no ato da cópula e o bebê no gesto de sugar o seio, fundiu-se em um novo ser, que era ele. Ele que fora, durante cada dia de sua vida, uma parte dele. E se sentiu unido, reunido a si mesmo, como não se sentia desde que esquecera como era não se sentir dividido, ao adquirir a inteira consciência de si mesmo e a perfeita inconsciência da perda.

Agora a parte perdida se reintegrava à parte mantida que ele fora, que ele era até aquele instante. Ao bebê que fora um dia, e que um dia conhecera o mundo, e deixara de existir para deixar nascer o adulto que se tornaria. Ele matara devagar o que fora de início, o que ele próprio fora de início, o início dele próprio, o início, ele próprio, para se tornar lentamente outro ele, mais e menos do que havia sido. Agora tudo se reintegrava, não havia mais partes, perdas, passados e passado, e ele parou de pensar.

Seu cérebro se esvaziou de todo pensamento, de toda palavra, de toda recordação, de todo desejo, e se encheu inteiro de sensações. De tudo aquilo, e de tudo aquilo apenas, que seus sentidos lhe ofereciam naquele momento, como um animal. Tudo era calor, cor, luz, cheiro, paladar, tato, som. E nada que não fosse som, tato, paladar, cheiro, luz, cor ou calor existia. Nele, ou no mundo. Mundo que era ele, ele que era o mundo, que era a parte do mundo que seus sentidos introjetavam, e agora era tudo.

Então ele ejaculou, e sugou mais forte o mamilo. E se tornou um círculo, o homem e o bebê no ápice simultâneo de sua percepção de sê-lo. E o círculo que ele era se tornou um círculo com ela, lançando nela seu sêmen enquanto absorvia dela seu leite. E ela se reintegrou a si mesma, ao se tornar, plena e simultaneamente, inteiramente mãe e inteiramente fêmea. Ao se tornar, inteiramente. Enquanto, ao mesmo tempo, se dissolvia e se reintegrava no círculo dele com ele, que era o círculo dela com ela e com ele.

Depois de alguns segundos, ele saiu devagar, em silêncio, de dentro e de cima dela, e se deitou de novo ao seu lado. Calados, olhavam para o teto perfeitamente branco. Então, sussurrante, ela disse:

– Deus…

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Luis Dolhnikoff

estudou Medicina (1980-1985, FMUSP) e Letras Clássicas (1983-1985, FFLCH-USP). Entre 1990 e 1994, co-organizou em São Paulo, ao lado de Haroldo de Campos, o Bloomsday SP, homenagem anual a James Joyce. Em 2005, recebeu uma Bolsa Vitae de Artes para estudar a vida e a obra do poeta Pedro Xisto. Entre 2006 e 20014, foi articulista de política internacional na Revista 18, do Centro de Cultura Judaica de São Paulo. Como crítico literário e articulista, colaborou, a partir de 1997, com os jornais O Estado de S. Paulo, A Notícia, Diário Catarinense, Gazeta do Povo, Clarín e, recentemente, Folha de S. Paulo, além das revistas Sibila e Babel e das publicações eletrônicas Sibila, Germina, Digestivo Cultural e TriploV (Portugal). Tem textos publicados nas principais revistas literárias brasileiras, impressas e eletrônicas, além de Tsé=tsé 7/8 (número especial com 30 poetas brasileiros contemporâneos), Buenos Aires, outono 2000; Hipnerotomaquia, Cidade do México, Aldus, 2001; Ratapallax 11, New York, spring 2004; Mandorla – New writing from Américas 8, Illinois State University, 2005. É autor dos livros de contos Os homens de ferro (São Paulo, Olavobrás, 1992) e Depois do sol (no prelo, 2020), além dos livros de poemas Pãnico (São Paulo, Expressão, 1986, apresentação Paulo Leminski), Impressões digitais (São Paulo, Olavobrás, 1990), Lodo (São Paulo, Ateliê, 2009) e As rugosidades do caos (São Paulo, Quatro Cantos, 2015, apresentação Aurora Bernardini, finalista do Prêmio Jabuti 2016)

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