Só a ti me expresso Pier Paolo neste mundo estúpido vazio por excesso… Ontem mesmo recordava onde o som melódico das cigarras e imagine que o lume intermitente dos vaga-lumes fugiu do meu campo da memória… de pronto me vem o banzo dos terrenos baldios dos arrabaldes entre o sufocamento de torres dum neo-clássico fake infame dos endinheirados escrotos cunhados ‘maison’, ‘piazza’, ‘chateau’, ‘golden park’, ‘tower’ obsedantes da vida, do raio do sol, a ‘gentrificação’ de coisas, o ‘retrofit’ de gente Pier Paolo matando os descampados, corroendo o burburinho das gentes, a assepsia ‘tcheno’, esse medievo ‘high-tech’ sem o lastro das gárgulas, das rosáceas, das balaustradas, dos vitrais góticos mas seria cabotino até pedir o “trecento” em meio tamanha ‘desacralização’ da vida entre as “praças de alimentação” e os cruzeiros sem nenhuma concessão ao ócio das estrelas. Busco ver como lhe disse Pound na célebre entrevista de 1967 além da luz néon das vanguardas que nem vanguardas são por puro formalismo inovador, burburinho espectral de aparatos ocos, buscar além do lusco-fusco dessa distopia consentida e vivificar alguns ‘ragazzi’ entre canto coral e alaúde de algo absoluto. Algum fonema de Deus nas entrelinhas. Restituir a necessidade dalgum significado além dum sentido propriamente estetizado: algum valor para me abrigar. Estar por aqui à espera dum ‘chegado’, a hierofania das esquinas da existência onde o que se revela é maior que a mera parceria, o sagrado que subverte e põe por terra toda sensaboria anódina do mercado. Mercado tirânico e melífluo “Deus ex-machina” para toda revolta contra o ‘nonsense’ de compra e venda. Shopping, Pier Paolo, shopping no infinitivo em transe pocilga de moer gente. Note a mercancia das palavras, conceitos: a dramaticidade do invertido, o peso do pederasta nos tornou pateticamente ‘gays’, Pier Paolo! do peso para o conformismo falsamente tolerante do mercado que incorpora sem compreender a complexidade de nossos afectos; esteriotipa na tentativa quase sempre exitosa de nos fazer cúmplices do sistema de ‘incorporáveis’ a pocilga novamente de compra e venda a mesma que coopta os ‘ragazzi’ das favelas agora com eufemismo de ‘comunidades’ Pier Paolo que viste no Brasil ao lado de Maria Callas… não mais economia de mercado, agora a sociedade mesmo ela de consumo de mercado numa aliteração dramática compra-venda prosopopéia de gado indo ao abatedouro galvanizando o planeta porque o meio ambiente refém do mercado num feérico anti-clímax apocalíptico consentido não cegamente nesse rebanho de inseguros sem desespero prepotentes sem predicados chantagistas convencidos de sua nulidade, gerações reacionárias se sucedem sucumbindo a ideologia do real atribuindo seu ‘daimon’ à objetivação instantânea de qualquer fascínio de qualquer possibilidade de espírito nessa rota da seda virtual nesse holograma argentário. Não incorporados, heterodoxos soltos raianos do magma vulcânico chamai-nos goliardos, cátaros da lua, inegociáveis, Pier Paolo! furiosum nullum negotium contrahere potest! irredentos ao som de Palestrina sob a luz de Masaccio bêbedos na praia noturna de Rimbaud nosso amante traficante de signos sorvendo a vinha amarga da poesia… loucos, sim! “Loucos não fazem negócio”! é o rouxinol e não a granada o que empunhas, a corça de chifres de ouro e pés de bronze o que somos resistindo com antenas ao infinito! sodomitas insurreitos buscando harmonia pela arte que nos perpetua sem ‘causar espécie’… te escrevo duma margem peculiar do Atlântico num falanstério íntimo neste eremitério do corpo criando universos para ser ‘entendido’ por outro náufrago através quem sabe dum ‘friuliano’ codificado quanticamente. Se nossa solidão e silêncio são únicos como sabes capazes de gestar uma reflexão aguçada do espanto e o espanto é o que resta de sagrado até os desatentos. Entre gaviões e passarinhos vamos ‘driblando’ (lembra do tão caro futebol lírico brasileiro?) os percalços da sordidez burguesa e o planeta foi contaminado do pior ímpeto burguês por todo canto onde exista um encanto a ser suprimido barbaramente. Sigo com imagens de Ninetto, do velho Totó, com a silhueta de Terenc Stamp! Teu universo tão eloqüente e visionário que me acompanham breviário de magia. Não tenho a menor expectativa sobre o século XXI e as questões são da ordem do paroxismo de consciência humana mais que social, só nos resta reverenciar nosso ofício de poetizar, como diria Todórov citando Fiódor: “A beleza salvará o mundo”, Pier Paolo…
Flávio Viegas Amoreira
crítico, poeta e escritor