(Daniel Faria)
Nunca se acaba de morrer
Daniel
pois tudo é semente
– disse o noivo sombrio.
Para que seja sempre noite
e o dia se repita
sobre os homens
aquele-Um
consente o silêncio
e pronuncia, oculto, o sussurro inumerável.
Aprendeste cedo a lição,
a quietude turbulenta,
o sobressalto mudo
diante do sem-fundo.
Sabias que estavas só
e o teu destino era entrar e sair
velozmente
pelo idioma em que nasceste.
Por isso
comungo a magnólia,
o xisto e o feixe de lenha.
Com o verbo estrelado
no oco da página
digo:
– Sê tu próprio o texto.
E calo.
Ergo então
este altar para ti
e vives.
(Arvo Pärt)
Duas músicas:
a soberana
que me traz aqui
e outra
interferindo
na partitura do dia.
Uma
fura a parede,
outra
fere o coração do mundo.
O estrondo parte a pedra,
derruba e renova
o que está fadado a partir.
O instrumento toca o seu silêncio,
torna a percutir a nota,
a repetir o mistério.
Todos ouviram
– mesmo sem entender –
algo soar no infinito:
tintinnabulum.
(Turner)
Espelhos embaciados
refletem aos poucos
a fantasmagoria do tempo
sombras
vagas
dissipam-se no vapor
– passagem e paisagem
de turbulentas meteorologias –
A navalha entra na bacia,
dissolve a sujeira
– entre espuma e sangue –
que a criança fixa
para sempre.
……
A luz maciça
agiganta a mancha,
o halo incha
prismático.
Um mar
ao alto
nuvens em fúria
embaixo
escarpas líquidas
caos e crueldade.
Onde tudo começa.
Jorge Henrique Bastos
Nasceu em Belém do Pará. É jornalista, editor e tradutor. Viveu 16 anos em Portugal, onde colaborou em jornais e revistas como Diário de Lisboa, Independente, Expresso, Colóquio-Letras. Organizou a primeira edição portuguesa do romance Macunaíma, de Mário de Andrade (Antígona, 1998). Publicou a antologia Poesia contemporânea Brasileira – dos modernistas à actualidade (Antígona, 2002). No Brasil, organizou a primeira antologia do poeta Herberto Helder, O Corpo O Luxo A Obra (Iluminuras, 1999). Foi editor da Martins- Martins Fontes, Empório do Livro e B4 editores. Colabora na Folha de São Paulo e Cult. Publicou A Idade do Sol (Fenda, 1998), Hemorragia (incluir edições, 2012) e Rajadas (Demônio Negro, 2022), os poemas aqui publicados fazem parte desta obra. Traduziu Yves Bonnefoy, Racine, Aloysius Bertrand, Ezra Pound, Walter Pater, Thomas Hardy, Mark Twain, César Vallejo, Vicente. Huidobro.