I
Para Gonzalo Rojas
Fizeste bem, Gonzalo,
em abraçar essa dor,
ao pô-la nas tuas costas.
Que outra coisa é possível, a não ser isso,
recolher do chão as lágrimas dos outros
para chorá-las de novo?
Que outra coisa podemos,
além de deambular com essa dor pelo mundo?
Foi nossa escolha, levantar e lavar
o sangue das calçadas, das prisões.
Para outros os palácios celestiais,
para outros o ruído, o dinheiro, os flashes.
O nosso é lamber cusparadas,
chorar a tristeza dos poucos e dos muitos,
a dor dos que nada veem
e dos que assumem o outro como próprio.
Isto pode não acabar nada bem, Gonzalo,
Pouca coisa, exceto exílios, incompreensão.
Solidão.
Eu também tinha minha casa próximo ao mar,
mas o mesmo de sempre
expulsou-me. Também fui embora,
tentando não ver, mas vi duas vezes
e duas vezes senti a dor no meio da noite.
O mundo é a casa dos insaciáveis,
o refúgio e o espólio dos criminosos.
Seremos sempre estrangeiros aqui, expatriados.
Nos dói a noite, gostaríamos de chorar
mas temos pena, e choramos melhor a dor dos outros.
Poderíamos ficar
e sofrer um pouco e morrer logo,
mas preferimos ir embora, fugir no meio das sombras,
afastar-nos com o nosso pequeno fardo de dor nos braços,
fingindo que as dores que choramos são as de outros.
II
No dia da poesia
Que hoje é o teu aniversário, dizem,
ou o dia do teu santo,
mas eu não tenho vontade de te nomear,
poesia.
Não tenho vontade de te escrever,
nem de te buscar,
nem de te procurar por acaso
na cor do céu.
Eu não sei o porquê,
justo hoje
quando todos te procuram
e te celebram,
eu gostaria de te amaldiçoar e de te exigir.
Por que permites que os enterros
dos teus amantes sejam tão tristes?
Por que jogas moedas nos seus bolsos
pior do que a conta gotas?
Eu não te celebro, poesia,
porque eu não celebro o porrete que me surra,
porque eu sei bem que sob o teu disfarce de flores,
teu manto de estrelas,
teus longos cabelos de alvorada,
escondes os teus dentes enormes,
o desprezo, os sonhos partidos,
a fome de todos aqueles
que te amam ou alguma vez te amaram.
Eu não te canto,
nem penso em te dizer que foste um grande presente.
Por que hei de te cantar se o único que fizeste
foi dar música às minhas dores,
ritmo à minha fome,
vãs metáforas às minhas lágrimas,
solidão e incompreensão aos meus dias?
III
Deveria existir um lugar,
algo assim como uma página em branco,
algo assim como um cômodo vazio
para entrar nele e desaparecer.
Os enterros deveriam ser poupados ao homem,
os custos excessivos em cerimônias e exumações,
todos esses trabalhos e incômodos que oprimem
os familiares do finado.
Deveria ser a morte um trâmite simples,
algo tão banal como beber um copo de água,
algo tão simples como olhar o céu de um trem silencioso.
A morte deveria ser um trem, sim,
um trem sem avisos nem ruídos,
como paradas e estações
em cada casa e em cada porta.
Deveria, suavemente, deter-se
e permitir que subíssemos,
com discrição,
sem que ninguém se dê conta.
Deveria distanciar-se deixando de nós apenas
uma pequena fenda,
como a que deixa
uma bolha de sabão que estoura.
A morte nos deveria levar
como um trem, silenciosamente,
sem que ninguém perceba a nossa ausência
Cesar Anguiano
Nasceu em Colima, México. Poeta, dramaturgo e romancista. Autor de mais de 20 livros. Entre as suas principais conquistas, encontra-se a distinção que obteve em poesia no prêmio Jaime Gil de Biedma, em Segóvia, Espanha. La sangre y las cenizas é até agora a sua obra mais conhecida que foi traduzida ao francês e, em breve, ao português.
Juan Terenzi
(1982) é escritor, tradutor e pesquisador. Graduado em engenharia química, letras/espanhol e filosofia. Doutor em filosofia com a tese “Linguagem, voz e identidade: Beckett em diálogo”. Autor de Fis(s)uras (Micronotas, 2022).