E viver se faz rápido e a sentir que se apressa!
K. Viázemski
I
“Meu tio das leis mais certas quando[1]
Sem brincadeira se enfermou
Passou a estar se respeitando,
Nada melhor que isso inventou.
No seu exemplo houve quem visse
Ciência, oh, Deus, quanta chatice
De dia e noite com um doente
Sem arredar um pé somente
Que astúcia baixa tem-me havido
Um moribundo eu entreter
Por-lhe almofadas e trazer
Tão tristemente uns comprimidos.
Pensar pra si e suspirar:
“Quando o diabo o levará?”
II
Pensou assim o almofadinha
Voando à carta em meio ao pó,
Por grã mercê de Zeus o tinham
Tornado herdeiro em seu clã só.
Fãs de Ruslan e Lyudmila!
Sem um prefácio aqui perfila
O grande herói deste romance
Que os apresento de um só lance :
Meu caro Oniéguin, amigo que
Nasceu às margens do Nievá
Onde talvez nasceu por lá
Ou brilhou quem aqui me lê.
Foi onde eu nunca fui: pra mim
O norte é insalubre e ruim.
III
Servindo bem, tão nobre e lhano,
Tinha seu pai contas pendentes
Fazia uns três bailes por ano
E consumiu-se, finalmente.
Evguiêni teve a sina salva:
Logo Madame o acompanhava,
Depois Monsieur de igual estofo.
Bebê traquinas, porém fofo.
Este infeliz francês l’Abbé
Pra que o piá não se afligisse
Orientou-o a fazer chistes
Sem à moral estrita ater-se.
Por artes mal repreendia-o
Mas ao Jardim de Verão iam
IV
Quando a revolta juvenil
A Evguiêni foi chegando em hora,
Hora de espera doce e vil
O Monsieur foi posto embora.
Oniêguin livre e liberado
Fez um moderno penteado.
Matinha um guarda roupa grande
Com vestes de um londrino dândi.
Ele em francês fluentemente
Pôde escrever, se expressava,
Bom nas mazurcas que dançava
E se curvava livremente.
Que mais? O mundo o foi saindo
E o fez inteligente e lindo.
V
A nós de tudo lecionaram
Um pouco disso, algo daquilo,
Graças a Deus nos educaram
Não surpreendeu o nosso brilho.
Oniêguin foi conforme muitos
(Entre os quais sérios, resolutos)
Guru mirim, porém, pedante
Com um talento eletrizante.
A conversar sem coerção
De tudo um pouco, o olhar atento
De quem conhece em qual momento
Não vale a pena a discussão.
E ao provocar riso nas damas
Compunha em fogo uns epigramas.
VI
Língua latina ultimamente
Saiu de moda e ele já
Tinha latim suficiente
Para epigramas manejar,
De Juvenal citar detalhes
Fechar as cartas com um “vale”.
Ele aprendeu mesmo disperso
Da Eneida ao menos uns dois versos.
Nenhum traquejo tinha em caça
No cronológico pó que era
Afeito ao seu tempo na terra:
Porém, exímio em fazer graça.
Tudo de Rômulo até agora
Ele retinha na memória
VII
Grande paixão não lhe ocorreu
Aos sons da vida preferir
Pois entre um iambo e um troqueu,
Era-lhe duro distinguir.
Maldou Teócrito e Homero,
Adam Smith leu a sério.
Tinha o saber da economia
Com acurácia julgaria
Como um governo ir sem fiasco
Enriquecendo; e que não é
Pra comprar ouro se houver
Em um país produtos básicos.
Seu pai não o entendia em nada
E pôs suas terras penhoradas.
VIII
Relatar tudo sobre Evguêni
Requereria paciência
Num ponto, é certo, ele era um gênio
Que soube mais que qualquer ciência
O quanto deu-lhe a mocidade:
Labor, prazer, contrariedade.
Em sua ação diária e fixa
Que era repleta de preguiça.
Houve saber da paixão doce
O qual cantou Naso [2] e por isso
Teve martírio em pleno viço
Do brilho que sua era trouxe.
Pelas estepes da Moldávia
Longe da sua Itália errava.
IX
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X
Bem cedo conseguiu fingir,
Toda esperança derreter,
Ensombrear, desmilinguir
Manter a fé, deixar de crer
Obedecer, ser orgulhoso
Não se importar, ser atencioso
Calar-se tão languidamente
Ser ardoroso e eloquente.
Cartas de amor o punham frágil,
Numa há paixão, noutra sofrer
Tinha ele o dom de se esquecer.
Era seu flerte doce e ágil,
Tímido e ousado, mas num flagra
Brilhava uma ensaiada lágrima.
XI
Capaz de parecer-se novo,
Brincar de ingênuo e surpreender
Pronto a impor angústia ao povo,
Bajula bem, sabe entreter;
Capta minutos ternos feitos
De anos pueris de preconceito;
Paixão, razão… ninguém lhe é páreo
E aguarda um toque involuntário.
Reza e requer que o reconheçam
Ouve seu peito, diligente
Persegue o amor, mas de repente
Acha um encontro meio às pressas.
A sós vai dar a ela um intenso
Ensinamento de silêncio.
[1] Citação de um verso do poema “O Jumento e o Mujique”, escrito pelo amigo de Púchkin, o mais importante autor de fábulas na Rússia, Ivan Krylov (1769-1844)
Um mujique, na horta, era sol quente,
Tocando o Burro, aperta
Pardais e corvo para vencer esta raça insolente
O Burro era das leis mais certas.
Faz-se ainda uma referência jocosa a um personagem real, Vassíli Púchkin (1866-1830), tio do poeta e seu primeiro mentor literário
[2] Referência ao poeta romano Públio Ovídio Naso
Astier Basílio
É jornalista e escritor. Mestre em ensino de literatura russa pelo Instituto Estatal Pushkin, de Moscou. Atualmente, é doutorando em literatura russa, no Instituto Literário M. Gorki, também na capital russa, onde atualmente reside. Na área de poesia publicou mais de dez livros, entre os quais, "Funerais da Fala" (Prêmio Novos Autores Paraibanos, 2000) e "Finais em extinção" (Prêmio Nacional Correio das Artes, 2011). Na área de prosa, foi finalista do Prêmio Sesc, 2017, na categoria romance, com "Supermercado Brasil Novo". Sua peça "Maquinista" recebeu o prêmio nacional de dramaturgia da Funarte, em 2014.