Alicia Zapata é uma jovem poeta espanhola ainda inédita no Brasil. Após a conclusão da sua primeira coleção de poemas, a escritora decidiu exibir a sua poesia pela primeira vez em concursos e atividades de criação poética. Em julho de 2021, foi premiada no Concurso Internacional de Poesia “Yolanda Sáenz de Tejada” com o poema Yda y devenida. O poema Espejismo Humano, que integra a seleção da Revista Piparote, fez parte da antologia do Festival Internacional de Poesia de Madrid. A poesia de Zapata tem recorrência acentuada na enfermidade e nas experiências de caráter íntimo materializadas pela solidão. Os versos dialogam com a estrutura clássica e com o verso livre. Há uma especial atenção da poeta espanhola para a temática da chamada “ecopoesia”, cuja abrangência está centrada nas particularidades do corpo e no mundo natural. Nós conhecemos a sua poesia a partir da excelente revista ibero-americana Tiberíades e contamos com a tradução do escritor e tradutor brasileiro Juan Terenzi, a quem agradecemos por nos presentear com uma poesia de tão alto valor.

TEORIA DO CONSOLO

Como os olmos que o arvoredo estira,
Conselhos vazios povoam com distância,
de consolo inventado o véu que lança
verso que por inércia inverso gira.

A palavra na minha boca respira,
com a pele a mastigo e a afago;
rocha por fora fui, por dentro, lago
que com afinco a complacência retira.

No amargo o remédio forma caroço:
se copio e colo o ânimo do chão que soa,
a pena é o tabu; a felicidade, destroço.

Mas se o gelo amigo o fogo destoa,
o grito mais despido é o que posso:
posso doer toda a dor que doa.

TEORÍA DEL CONSUELO

Como los olmos que pueblan la olmeda,
consejos vacuos pueblan con amago
de consuelo inventado el velo aciago,
verso que por inercia inverso rueda.

La palabra en la boca se me queda,
con la piel la mastico y me la trago;
roca por fuera fui, por dentro, el lago
que con tesón la complacencia veda.

En lo amargo el remedio forma grumo:
si copio y pego el ánimo del suelo,
la pena es el tabú; la dicha, el humo.

Pero si el fuego amigo entibia el hielo,
el grito más desnudo es el que exhumo:
puedo doler todo el dolor que duelo.

ESPELHISMO HUMANO

I

Por não mais de oito entremeses
uma décima se canta,
e por sonetos de infanta
se rendem os portugueses.
Tantos são os feligreses
que rezam a poesia.
Por ciúmes e teimosia
se inspiram em Galatea,
e até o gato que engatinha
rima perfeito com cortesia.

ESPEJISMO HUMANO

I

Por no más de ocho entremeses
una décima se canta,
y por sonetos de infanta
se rinden los portugueses.
Tantos son los feligreses
que rezan la poesía.
Por celos y celosía
se inspiran en Galatea,
y hasta el gato que gatea
rima ideal con cortesía. 

II

Assonante se salva do seu esquecimento
A silva que se espalha, romantizada selva
Desde a mesma casa dos céus,
trota uma aurora inteira:
morros de um Rocinante azul deserto,
a sombra esquálida, o fiapo vivo
que enlaçado no cercado volta sempre.
E mesmo que nunca voltasse;
se o moinho não desse farinha, senão,
de outra saca, areia;
se a comédia intoxicasse a alma.
Se Dulcinéia ontem se convertesse
na esbelta amante liberal
que esmigalha em galhos noites ternas
e cascas de mel, e desfizesse
as tranças de Quitéria com tênue rédea de seda;
mesmo que o formal colóquio dos cães
ditasse leis secas mas honestas
mesmo que o mar chuviscasse
repentinamente
e a Armada Invencível
tão vencível não fosse;
mesmo que de vastos campos de Castela
emergissem os topos e os cumes
enfileirando medulas de esparto,
e parisse com vontade cada serra
feras sob seus regaços
e estrelas de cabeça;
mesmo que escorresse tinta ao invés de sangue
e se pensasse que o que libera
não é a saída, mas o cativeiro;
mesmo que a rua Huertas
nunca tivesse sido cortada
e o mundo fosse fêmea;
mesmo que a hidropisia
não inundasse poemas
e não afundasse o vocábulo e o bote
e não afundasse a pleura e o navio;
mesmo que a origem fosse a velhice
e a natureza, uma qualquer,
no sol em sua mancha
poderia ser regada a terra seca
com a pegada e o conto,
com delírio e romance,
com versos afinados;
versos valentes como duas donzelas,
versos de rouxinol, determinados, risonhos,
que com engenho e pouca mão esquerda
compõe habilmente o maneta de Lepanto:
reflexo progressivo e voz que povoa,
o espelhismo humano sem espelho,
fala imortal, história por vir.

II

Asonante se salva de su olvido
la silva que se esparce, arromanzada selva.
Desde la misma casa de los cielos,
trota una aurora entera:
lomas de un Rocinante azul desierto,
la sombra escuálida, la viva hebra
que enhebrada al redil se vuelve siempre.
Y aun si nunca volviera;
si el molino no diese harina, sino,
de otro costal, arena;
si la comedia intoxicara el alma.
Si Dulcinea ayer se convirtiera
en la grácil amante liberal
que desmigaja en gajos noches tiernas
y cáscaras de miel, y descorriese
las trenzas de Quiteria con tenue riel de seda;
aun si el formal coloquio de los perros
dictara leyes secas pero honestas;
aun si el mar lloviznase
de buenas a primeras
y la Armada Invencible
tan vencible no fuera;
aun si de vastos campos de Castilla
emergiesen los picos y las crestas
afilándose médulas de esparto,
y pariera con ganas toda sierra
fieras bajo sus faldas
y estrellas de cabeza;
aun si corriera tinta en vez de sangre
y se creyese que lo que libera
no es la salida, sino el cautiverio;
aun si la calle Huertas
nunca se hubiese hendido
y el mundo fuera hembra;
aun si la hidropesía
no inundase poemas
y no hundiese el voquible y el esquife
y no hundiese la pleura y la galera;
aun si el origen fuera la vejez
y la naturaleza, una cualquiera,
en el sol y en su mancha
se podría regar la tierra seca
con la huella y el cuento,
con delirio y novela,
con versos afinados:
versos valientes como dos doncellas,
versos de ruiseñor, ciertos, risueños,
que con ingenio y poca mano izquierda
compone diestro el manco de Lepanto:
reflejo progresivo y voz que puebla,
el espejismo humano sin espejo,
habla inmortal, historia venidera.

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Alicia Zapata

Alicia Zapata é uma jovem poeta espanhola ainda inédita no Brasil. Após a conclusão da sua primeira coleção de poemas, a escritora decidiu exibir a sua poesia pela primeira vez em concursos e atividades de criação poética. Em julho de 2021, foi premiada no Concurso Internacional de Poesia “Yolanda Sáenz de Tejada” com o poema Yda y devenida. O poema Espejismo Humano, que integra a seleção da Revista Piparote, fez parte da antologia do Festival Internacional de Poesia de Madrid.

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Juan Terenzi

(1982) é escritor, tradutor e pesquisador. Graduado em engenharia química, letras/espanhol e filosofia. Doutor em filosofia com a tese “Linguagem, voz e identidade: Beckett em diálogo”. Autor de Fis(s)uras (Micronotas, 2022).

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