POEMA NISE
I –
Porque de fato outra viagem nem digo
rumo que seja amor
miragem amante do delírio
não há quem perpetue habitar o sonho
depois proclamando nada além de ser mais dito
bendigo mesmo a lucidez luminada
sem gemidos ou rufar de tambores
então relembra o delicado bispo até o almirante negro
as cores do Nêgo Dito nem eterno nem olvido
que olhava os pássaros
garatujando bóias âncoras ondas e caramujos
com todo saber do Benedito
o mundo dado num raio de luz benfazejo
na manhã do pátio
e seu desmentido das sombras do real
lá fora o seu murmúrio
vendo as cores fortes de tanto brilho
o fulgor não nego
não sei se rasgo
rengo
vibro
de Anteu ou Tritão vencidos
mas de louco nunca além de havido
muito habitado de tanto navegando
aquela barca nuvem de céu estrelado
ainda que despido da lua atracado
solto de discurso algum descanso nexo
da arte ruminando
por que não me venham dizer:
‘alguma felicidade é coisa de doido’
II –
“de tantas moradas
só permanecer num só quadrado
vaso partido que ainda floresce
mergulhado de olhar destoa até o vento
algum outro vezo da percepção
caule
rizomas
fontes
sair do labirinto
reinventar sua prisão
insuportáveis verdades
de dervixe
não ter razão alguma
que não derive
obsessão
traço
risco
senso pelo esforço
certo troço
escorço
contorno benevolente
duma samambaia milenar
em teu encalço
de lago denso
que não um bicho
que não nem grito
da mão
da planta um viço
dizer que seja e não desdigo
luz muita luz
não foi apelo derradeiro daquele sábio?
de todo santo em êxtase
demente algum tão inundado de tanta luz
que não se torne apesar do tirano sofrimento
menos mágico
enquanto cria
não tome nenhum vulgo
apodo
codinome
que não o de demiurgo
no seu canto
mistagogo
e quando em círculo silente
Beatriz
Nise
campeando
ao paraíso de algum significado
redentor.”
Flávio Viegas Amoreira
Escritor, poeta e crítico literário. Colunista da seção “Terra em Transes” da Revista Piparote. Contato do autor: [email protected]