Espere por mim
Espere por mim que eu vou voltar,
Ainda que eu demore, me espere
Espere quando um amarelo ar
Caia por chuvas em série.
Espere, quando a neve dilacera
Espere, quando o calor fustiga
Espere, quando ninguém mais espera
Pela noite antiga.
Espere quando não houver chance
Da longínqua carta ser assunto.
Espere quando todo mundo canse
De esperar junto.
Espere por mim que eu vou voltar,
Não fique à mercê
De quem repete sem parar:
É hora de esquecer.
A mãe e o filho decretaram
Minha hora derradeira.
Os amigos de me esperar cansaram
Ao lado da fogueira.
Bebem um vinho amargurado
à minha alma, numa prece.
Espere. Junto deles, fique ao lado,
mas em beber não se apresse.
Espere por mim que eu vou voltar,
Não dê atenção a tanta morte.
Quem não me esperou, é quem dirá:
— foi sorte.
Não sabe o impaciente
Como entre um fogo sem fim
Com tua espera permanente
Tu salvaste a mim
Como eu sobrevivi, apenas irá
Saber nós dois. Meu bem,
Apenas tu soubeste esperar
Como mais ninguém
1941
Жди меня, и я вернусь…
Жди меня, и я вернусь.
Только очень жди,
Жди, когда наводят грусть
Желтые дожди,
Жди, когда снега метут,
Жди, когда жара,
Жди, когда других не ждут,
Позабыв вчера.
Жди, когда из дальних мест
Писем не придет,
Жди, когда уж надоест
Всем, кто вместе ждет.
Жди меня, и я вернусь,
Не желай добра
Всем, кто знает наизусть,
Что забыть пора.
Пусть поверят сын и мать
В то, что нет меня,
Пусть друзья устанут ждать,
Сядут у огня,
Выпьют горькое вино
На помин души…
Жди. И с ними заодно
Выпить не спеши.
Жди меня, и я вернусь,
Всем смертям назло.
Кто не ждал меня, тот пусть
Скажет: — Повезло.
Не понять, не ждавшим им,
Как среди огня
Ожиданием своим
Ты спасла меня.
Как я выжил, будем знать
Только мы с тобой, —
Просто ты умела ждать,
Как никто другой.
1941 г.
***
Revisei a tradução que fiz desse poema escrito por Konstantin Simonov com o objetivo de deixar o texto em português com uma simplicidade semelhante ao original. Se há algo que impressiona nele é a força de sua verdade.
Várias vezes que escutei por aqui que a poesia soa como uma espécie de oração. Inúmeros soldados durante a Grande Guerra Patriótica traziam esse poema dentro de seus uniformes. Fossem recortes do jornal ou mesmo pedaços de papel escritos à mão. Era uma espécie de amuleto. Dedicado à atriz Valentina Serova, o texto foi escrito por um camarada de front, Konstantin Simonov “O poema ‘Espere por mim’ não tem nenhuma história especial por trás. Simplesmente fui para a guerra, e a mulher que eu amava ficou na retaguarda. Então escrevi para ela uma carta em versos…”
Os soldados brasileiros que participaram da Segunda Guerra Mundial tomaram conhecimento do poema de Konstantin Simonov pelo Cruzeiro do Sul, jornal diário editado pelas Forças Expedicionárias Brasileiras em julho de 1945, com o título “Um poema que todos repetirão” e antecedido por um breve texto “Simonov é um conhecido poeta soviético, hoje correspondente de guerra da “Estrela Vermelha”. Este seu poema foi musicado por cinco compositores e milhares de soldados e famílias repetem-no na Rússia. Não é mesmo uma coisa que merece ser conhecida e repetida por todos nós?”. Aqui é preciso fazer um reparo. O poema virou canção por obra de apenas um músico: Matvei Blanter.
Eis a tradução:
A espera
Espere por mim, que voltarei
mas é preciso que espere com fé e de todo o coração
Espere por mim
na tristeza infindável dos dias de chuva.
Espere por mim
nas horas uivantes em que a neve cai.
Espere por mim
na ânsia sufocante que vem do calor.
Espere por mim
mesmo que todas as outras
que esperam por outros
já tenham cansado de esperar…
Espere por mim.
Espere, sim,
que hei de enfrentar a morte… mas voltarei!
No Brasil, foi republicado em vários jornais, em um deles, veio a informação de que a tradução havia sido feita por “americanos”, que “traduziram e divulgaram” e “os soldados aliados estão repetindo a todo instante”. Não há, contudo, a indicação de quem verteu o para o português a partir da tradução feita em inglês.
O poema de Simonov chegou aos brasileiros mutilado. Dos 36 versos no original em russo apenas 15 foram transpostos. Houve ainda acréscimos como “fé” e “coração” – a parte em que se pede para esperar quando fizer “calor”, curiosamente foi substituída por “na ânsia sufocante que vem do calor”. Outro detalhe importante é que o poema em russo é todo rimado e a tradução em língua portuguesa passou ao largo desse aspecto.
Ainda com todos esses problemas, “Espere por mim” se tornou uma verdadeira sensação entre os soldados brasileiros que lutavam contra os fascistas na Itália. A pedidos, o jornal Cruzeiro do Sul publicou-o uma segunda vez. “No nosso segundo número estampamos este poema de guerra que despertou entre todos os nossos camaradas um vivo interesse. Sendo poema de um soldado comunica a todos os combatentes um sentimento comum e uma alta emoção. Recebemos pedidos para reproduzi-lo e hoje o fazemos, valendo-nos da oportunidade de uma bela ilustração que, inspirado nesta obra-prima da poesia moderna, fez o Tenente Alexandre Costa Netto. O Tenente Costa Netto, do Regimento Sampaio, é na vida civil aluno de belas-artes e, a despeito das ásperas condições de um teatro de guerra, não interrompeu a sua produção artística, antes enriquecendo-a com os motivos do front (…)”.
O jornal da FEB voltou ao tema poucas edições adiante com o artigo “Um poema para todos os homens”, no qual dava a informação de que “não era, sequer, um poema completo” e informa que “por intermédio do poema muitas moças aquiesceram, e ficaram esperando”.
Vários soldados copiaram o poema e o enviaram em cartas aos seus entes queridos. É o que noticiou a revista Planalto, de São Paulo, na edição de abril de 1945:
“De algum lugar da frente Francisco G. da Silva Prado, 1º tenente do 1º/2º R.O. Au.R., isto é, da Força Expedicionária Brasileira, endereçou a um lugar certo e determinado da capital paulista algumas missivas impressionantes.
São cartas como as que muitas pessoas do mundo receberam nos últimos tempos. Mas que confiança na vitória que sua juventude estava ajudando a conquistar, que ternura brasileira se evolava dessa distância tão expressiva e dramática
Longe dos seus, em pleno frio da Europa, esse expedicionário brasileiro soube viver, soube lutar como o heroísmo que ele ofereceu sem que fosse preciso lho pedissem.
Houve Natal, e foi um Natal de soldados, entre granadas e bombardeios. Entretanto, esse jovem brasileiro lia os Paradis Artificiels, de Baudelaire, enquanto as bombas explodiam a pouca distância, e assistia, longe de São Paulo, o espetáculo tristonho das invernadas italianas, sabia que a vitória estava prestes a desabrochar.
Por isso, à pessoa muito querida, ele em carta, citou o poema do russo Simonov. Um poema sem enfeites, duro como a própria guerra. Mas um poema cheio de esperança (…)”.
***
A tradução para o português tardou mais de três décadas. Manuel Seabra incluiu o poema na sua Antologia da poesia soviética, editada em Portugal, em 1973.

Astier Basílio
É jornalista e escritor. Mestre em ensino de literatura russa pelo Instituto Estatal Pushkin, de Moscou. Atualmente, é doutorando em literatura russa, no Instituto Literário M. Gorki, também na capital russa, onde atualmente reside. Na área de poesia publicou mais de dez livros, entre os quais, "Funerais da Fala" (Prêmio Novos Autores Paraibanos, 2000) e "Finais em extinção" (Prêmio Nacional Correio das Artes, 2011). Na área de prosa, foi finalista do Prêmio Sesc, 2017, na categoria romance, com "Supermercado Brasil Novo". Sua peça "Maquinista" recebeu o prêmio nacional de dramaturgia da Funarte, em 2014.