“Ao povo brasileiro do século XXI” – Foi assim que Carlos Diegues, um dos principais diretores do cinema brasileiro, falecido em fevereiro deste ano (2025), resolveu encerrar a sua obra-prima, “Bye, Bye, Brasil” (MUBI) no final da década de 1970.
Cacá Diegues nasceu em Maceió, porém passou toda a sua infância no Rio de Janeiro. Como diretor, foi um dos pioneiros do Cinema Novo. Sua consolidação veio nos anos 1970 quando, em 1976, adaptou o livro “Xica da Silva”, de João Felício dos Santos para o cinema, realizando, até então, o seu melhor trabalho. Retratando a realidade de uma escrava no século XVIII, o filme apresenta forte crítica política e faz referência à opressão do regime militar, trazendo elementos populares que conseguiram conectar o povo com a obra.
Alguns anos depois, o diretor, ao lado do amigo e também roteirista Leopoldo Serran, realizou uma viagem de pesquisa pelas regiões do norte e nordeste do país que lhe trouxe a inspiração para um filme. Passando pelo sertão, em cidades em que a tevê ainda não tinha chegado, Diegues se deparou com um Brasil muito diferente daquele em que vivia no Rio de Janeiro. Um Brasil que lidava com as consequências do êxodo rural, o impacto da chegada da tecnologia e com o fato de ter sido um país colonial. Ao voltar para o Rio, Cacá já tinha a inspiração para o seu mais novo filme: Bye, Bye, Brasil.
A premissa do longa é de contar a história da caravana “Rolidei”, formada pelos artistas mambembes Lorde Cigano (José Wilker), Salomé (Betty Faria) e Andorinha (Príncipe Nabor), que cruzam o sertão do país pela rodovia Transamazônica, trazendo entretenimento para as regiões mais isoladas da nação. Posteriormente, se juntam à trupe o acordeonista Ciço (Fábio Júnior) e sua esposa Dasdô (Zaira Zambelli).
Diegues se aproveita muito bem do clássico gênero estadunidense “road movie”, com a história da caravana “Rolidei”, para mostrar as consequências e até mesmo desmentir parte da propaganda militar. Ela afirmava um “Brasil grande”, que cada vez mais se industrializava e abria fronteiras megalomaníacas através de construções como a rodovia Transamazônica. No decorrer da jornada de Lorde Cigano e companhia, são mostradas as disparidades econômicas e sociais entre o sudeste desenvolvido e o restante do país, contrastando com o discurso de progresso do governo.
Uma crítica de muita relevância na obra é, com certeza, a perda da identidade cultural, evidenciada pela figura da televisão. O diretor retrata em certas cenas do filme como a caravana passa a não ser mais o grande entretenimento das cidades, perdendo espaço para a tevê e simbolizando a chegada da globalização assim como a padronização cultural. Dessa maneira, aquelas regiões rurais com suas crenças e tradições locais passam a se distanciar de suas raízes, consumindo a cultura predominante e passando a reproduzir valores e estilos de vida estrangeiros.
Esse recurso de reproduzir o estilo de vida estrangeiro pode ser observado em muitos aspectos do filme, como o seu próprio título, “Bye, Bye Brasil”, que representa essa submissão ao imperialismo estadunidense, assim como o nome da caravana, “Rolidei”, que faz referência a palavra ‘holliday‘ que, em inglês, significa férias. Mas todo esse crescimento da globalização é estampado de maneira precisa em uma das primeiras cenas do longa. Ao iniciar, em sua barraca, seu espetáculo em uma das cidades do sertão, Lorde Cigano diz que realizará o sonho de todo brasileiro e, em seguida, começam a cair “flocos de neve” em cima da barraca. Então o mágico complementa dizendo que, assim como na Europa, nos Estados Unidos e em todos os demais países de primeiro mundo, no Brasil agora também neva.
O desenraizamento da localidade também é retratado no longa pelo êxodo rural, movimento que foi muito intensificado durante o regime militar. Com a expansão das fronteiras agrícolas e a mecanização do campo, muitas famílias alimentaram a ilusão de deixar seus lares em busca de melhores oportunidades na cidade. Com isso, a conexão com a terra e as tradições rurais foram se perdendo. Durante o filme, temos dimensão do êxodo rural no momento em que a caravana “Rolidei” se depara com famílias em paus-de-arara migrando para as metrópoles em busca de melhores condições de vida, porém com um futuro incerto.
Além do trabalho de Diegues, vale ressaltar a contribuição que Chico Buarque dá à obra ao colocar letra na música de Roberto Menescal, que carrega o título do filme. O espanto em relação à modernização, o êxodo rural com “uma chance lá na capital”, a globalização com o “som dos Bee Gees”, a lembrança do lar com “saudade de roça e sertão”, e o medo em relação ao novo destacado no verso “o sol nunca mais vai se pôr” contribuem imensamente para o longa.
Em relação aos aspectos técnicos, merece destaque o ótimo trabalho de Lauro Escorel, diretor de fotografia do longa. As paisagens do sertão brasileiro são capturadas dando ênfase na diversidade nortista e nordestina do país. A utilização da luz natural cria um ambiente imersivo e, junto com as alternâncias de luz e sombra, o contraste entre a modernidade e as crenças locais é explorado de maneira muito interessante.
Vale ressaltar a grande sacada do diretor de arte da obra, Anísio Medeiros, na transformação dos figurinos da personagem Salomé, demonstrando toda a mudança da personagem durante a história. No começo ainda muito relacionada ao Lorde Cigano e com roupas tradicionais e com acessórios como o véu, passando por uma transformação quando resolve questionar Lorde Cigano, utilizando cores mais claras e posteriormente quando para de usar adornos, simbolizando a sua independência.
No final da obra, a trupe se desloca até Brasília, ato final da metáfora de Cacá Diegues. Brasília simbolizando o marco zero do Brasil moderno aparece como uma cidade hostilizada em que não há espaço para a arte local trazida pelos mambembes. As últimas cenas servem como um encerramento para a crítica final do diretor, mostrando que o projeto da capital federal fracassou na mão dos militares, excluindo os pobres e a população rural. Uma capital que não acolhe o seu povo.
No plano final, há apenas uma inscrição cobrindo a metade inferior da tela: “Ao povo brasileiro do século XXI”. Cacá Diegues faleceu no dia 14 de fevereiro de 2025. Foi o diretor de 17 filmes e deixou como legado grande contribuição crítica e estética para o povo brasileiro do século XX, XXI e de todos os que ainda virão.

Rodrigo Matias
Estudante de jornalismo na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse pelas artes, principalmente o cinema e a música.