Um filme da hora, momentoso com assunto de interesse permanente: as contradições da luta ambiental e a dicotomia entre a economia de resistência e a globalização. Baseado em fatos reais da antenada diretora Carla Simón, tem a microcivilização catalã como pano de fundo desta peleja entre agricultores quase artesanais dos frutos da terra dadivosa de Dalí e Joan Brossa e uma empresa de painéis solares. Local e global em confronto quando a grande saída seria uma ‘glocalização’ inclusiva. Energia solar: sinônimo de ecologia em confronto com camponeses lutando por gerações por seu espaço, tradições peculiares e convívio familiar poeticamente cultivado.
Que argumento rico, que roteiro instigante a nossos questionamentos sobre caminhos e descaminhos da tal ‘economia verde’ e, principalmente, a problematização necessária de quanto o capitalismo está mesmo imbuído de bons modos de gestão e propósitos ambientais. Pela ótica multifacetada de personagens intercalando-se, a produção centra nas conseqüências dos novos ditames do mercado transnacional. Recorrendo a atores amadores expressando-se no rascante idioma catalão, “Alcarrás” ecoa atributos do bom e velho neo-realismo italiano, com uma perspectiva mais luminosa e policromática ao discorrer sobre o velho tema revivido entre o vulnerável nativo diante do invasor opressor e indiferente.
Não se trata de forma alguma de um filme convencional, ainda que na superfície tenha uma mise-en-scène estruturada como folhetim de costumes . Lembrei de cara das reflexões poderosas de Slavoj Zizek sobre a cooptação do ambientalismo pelo capitalismo transformando a sustentabilidade numa forma de investimento tentacular sob o meigo conceito de ESG ou ‘economia verde’. O capitalismo é essencialmente anti-sustentável. “Alcarràs” é perfeito para pensar sobre o que o mestre esloveno chama “ecologia sem natureza”. Enfatizo: pequenos proprietários de bucólicas herdades rurais engolidos por espelhos gigantescos de energia solar. Recomendo.
Flávio Viegas Amoreira
escritor, poeta e jornalista, nasceu em Santos, em 1965, mora em São Paulo atuando como agitador cultural pela capital paulista, Litoral e Rio de Janeiro. Considerado um dos mais inquietos escritores da "Novíssima Literatura Brasileira", já lançou 12 livros entre contos, poesia e romance: Maralto (2002); A Biblioteca Submergida (2003); Contogramas (2004); Escorbuto, Cantos da Costa (2005), Edoardo, o Ele de Nós (2007), todos editados pela 7 Letras Editora - Rio de Janeiro; além de livros publicados por editoras paulistas, antologias internacionais até ser incluído na denominada "Geração Zero Zero", reunião de contistas considerados mais representativos da primeira década do século XXI no Brasil, antologia organizada pelo prestigiado crítico literário Luiz Brás e editado pela "Língua Geral", em 2011. O escritor é crítico de cinema, curador de artes plásticas e colaborador com crônicas e ensaios para jornais brasileiros e sites, revistas literárias e publicações estrangeiras. Ligado à música e às artes visuais, já teve vários textos encenados em monólogos e adaptações teatrais. Tem constante atividade nos meios digitais, com importante atuação em sites, blogs e redes sociais com literatura digital e criação online de textos. Contato: [email protected]