Acaba de ser disponibilizado pela plataforma MUBI o curta-metragem Uma Alegoria Urbana (2024), dirigido por Alice Rohrwacher em colaboração com o artista de rua JR. Inspirado na célebre alegoria da caverna de Platão, o filme reinterpreta a clássica questão filosófica sob a perspectiva de Jay, um menino de sete anos, que se aventura por uma Paris multifacetada e contraditória. Rohrwacher constrói uma narrativa visual metalinguística que, ao mesmo tempo, convida o espectador a refletir sobre a natureza da arte, os limites da modernidade e a condição de diferentes gerações na contemporaneidade.

Jay, o protagonista, assume o papel do prisioneiro libertado da caverna platônica. Enquanto sua mãe, uma bailarina, luta por uma chance nos ensaios de uma apresentação inspirada na própria alegoria da caverna. Jay foge e percorre as ruas de Paris. O que para os adultos poderia parecer apenas uma aventura infantil é, na verdade, um roteiro poético e filosófico visto sob a perspectiva de uma criança. A cidade revela-se como uma extensão da caverna, um lugar de luzes sedutoras e sombras opressoras. A curiosidade de Jay interage com espaços degradados, moradores em situação de rua, anúncios proibitivos e o uso massivo de smartphones, que parecem aprisionar os indivíduos em um jogo de consumo e alienação.

A visão artística de Rohrwacher transforma até mesmo a cidade não apenas em um cenário mas em um personagem que se movimenta e se perturba no fluxo da economia. Paris é tanto caverna quanto saída, lugar de promessas e de realidades cruéis de um sistema que invisibiliza o que não é conveniente mostrar. A partir da lupa infantil de Jay, a cineasta revela um mundo que os adultos perderam a capacidade de enxergar. Os jogos de sombra e luz, as conversas de costas e o uso simbólico da câmera remetem não apenas à filosofia platônica, mas também à crítica contemporânea de pensadores como José Saramago, que descreveu a sociedade de consumo como uma nova forma de caverna. O contexto do curta se atualiza como um simulacro, um espelho distorcido que nos obriga a confrontar com o duplo.

O personagem Jay, ao escapar da estrutura arquitetônica fria onde ocorrem os ensaios se lança a uma geografia fora do lugar comum, encarna uma forma de liberdade que não é apenas física, mas também psíquica. O caminho percorrido por Jay sugere que o olhar infantil é uma lupa para a própria reconstrução do mundo. Enquanto os personagens adultos permanecem presos a suas rotinas e papéis, no sentido forte do teatro, Jay experencia a cidade singular. 

Uma Alegoria Urbana, acredito, se propõe também a pensar como uma crítica às ilusões do cinema tradicional, sempre excessivos e volumosos em cenário, roupagem, efeitos, etc. Ao expor o que muitas vezes é omitido pelos filmes de grandes produtoras — como os espaços degradados e as pessoas à margem da sociedade —, Rohrwacher propõe uma reflexão sobre o papel da arte e da narrativa visual na formação de nossas percepções.

UMA ALEGORIA URBANA
Allégorie citadine
Dirigido por Alice RohrwacherJR
França, 2024
Curta, Drama, 21
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