Marcelo Ridenti e eu nos conhecemos na Unicamp, em Barão Geraldo. Lá na cidade universitária Zeferino Vaz, onde a rua Cora Coralina separa o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
Eu, de um lado da rua, no IEL; o Marcelo, autor do excelente romance Arrigo (Boitempo, 2023) do outro lado, no IFCH. Mas com este livro, a gente atravessa a rua. Na travessia, o feliz encontro da literatura com a história e vice versa.
Como os bons romances, este livro conta uma história: a história do Arrigo, que dá nome ao livro e é sua personagem central. Em suas páginas, e a propósito de Arrigo, o leitor acompanha, talvez meio sem perceber, cem anos de história do Brasil.
A narração se abre com Arrigo sentado muito quieto num apartamento fechado. E vai se desenrolando de forma emocionada, na voz de um narrador cujo interesse e afeto pelo protagonista vai contagiando o leitor. A gente não larga o livro, vivendo uma experiência de leitura muito envolvente, acompanhando Arrigo desde bem menino até … até o quê?
Até fechar-se o livro.
A voz narrativa vai instilando suspense nos leitores. Ao contrário destes, o narrador parece não se dar conta da situação em que narra a história que narra.
Pois é …
Marcelo Ridenti, o autor do livro, dando a palavra a um narrador tagarela, conta esta história de uma maneira extremamente sedutora. Talvez o leitor nem se dê conta – e nem precise dar – do rigor e precisão do lastro histórico em que a história de Arrigo se sustenta. A estrutura da narrativa, pela voz do narrador, agarra o leitor desde a primeira página até a última…
O Arrigo, personagem título e protagonista, vive governos ditatoriais dentro e fora do Brasil, exerce intensa militância política, participa de atentados, é implacavelmente perseguido e barbaramente torturado, sofre muitas prisões.
Biografia irrepreensível de um militante …
E o leitor vai sendo levado, sem perceber, a simpatizar cada vez mais com ele e, nesta simpatia, talvez encontre elementos para pensar com um viés mais crítico a realidade política do momento do lançamento do livro, este ano de 2023.
Figuras, entidades e eventos conhecidos, presentes no enredo, favorecem a credulidade e identificação. Figuram no livro o Presídio Tiradentes, o Edifício Esplendor, a Revolta da Vacina, a praça Onze, o Colégio Pedro II, Getúlio Vargas e Juscelino. A menção a Lula, nas páginas finais, traz o desdobramento do enredo até o presente.
Versos de música e de poemas, trechos de romances dão leveza à construção de uma história tão pautada pela veracidade. Os galos que tecem a manhã, a jangada que vai sair pro mar, a cachorra Baleia, um Bandeira aqui e um Drummond acolá vão lembrando ao leitor que também de literatura se tece a história.
Pois é: também …
Ponto para Marcelo que, nesta articulação literatura/história, inscreve seu romance Arrigo na melhor tradição do romance brasileiro.