A história do Catar pode ser dividida em antes e depois da década de 1940. O marco se dá pela descoberta e exploração do petróleo nas terras cataris. Esse fato modificou substancialmente a economia do país, bem como toda a sociedade e a produção e o consumo cultural.

A literatura, filha da necessidade de manifestação subjetiva e coletiva, produto direto da sociedade, muda de acordo com as flutuações mundanas. No caso da literatura do Catar, a poesia foi por séculos o gênero literário mais cultivado, principalmente em sua forma falada, já que a maioria da população catarense não tinha acesso à educação até meados do século XX.

A poesia produzida tinha incialmente a predominância da forma nabati, uma poesia árabe oral derivada das variedades da Península Arábica. Essa poesia era ainda conhecida como poesia beduína ou poesia popular. Essa forma poética era também uma forma de comunicação entre grupos, usada, entre outras funções, para declarar guerra, buscar a paz e resolver disputas tribais. Abdul Jalil Al-Tabatabai, Ibn Daher e Ibn Li’bun, conhecido como “Príncipe dos Poetas Nabati”, são alguns dos poetas da expressão nabati sempre lembrados em seu país.

Devido ao seu propósito principal de transmissão oral, a poesia nabati se caracteriza por seu estilo coloquial, direto, espontâneo, acessível, com atenção aos dialetos locais. Essa poesia se aproxima – com as devidas ressalvas culturais, locais e históricas – de nossas obras populares, como os cordéis.

O desenvolvimento do jornalismo e da educação a partir da década de 1960 pavimentou a estrada da leitura e do consumo cultural no país. Outras formas poéticas, desde então, têm sido produzidas, deixando a tradição nabati um pouco deslocada, apesar de uma tentativa recente de resgate dessa cultura beduína.

Mohammed al-Ajami, um poeta do Catar contemporâneo, é da nova safra, com variações poéticas. Ele ficou conhecido por sua poesia política que tocou em assuntos como a Primavera Árabe. O poeta foi preso em 2012 supostamente por ler publicamente um poema em que criticava o emir do Catar. Posteriormente, conseguiu a liberdade.

Alguns poetas como Mubarak al-Thani, Hassan al Naama e Hajar Ahmed Haja destacaram-se nesse renascimento cultural catariano na segunda metade do século XX, principalmente após a independência do Reino Unido em 1971. Nessa época, mulheres também compuseram suas obras, como Kaltham Jaber, Hessa al Awadhi e Zakiya Mal Allah.

Os poemas passaram a ser, no final do século passado, publicados em jornais, revistas e livros em grande escala. Mubarak al-Thani chegou a publicar um poema intitulado As Salam al Amiri (Paz ao Emir), que serviria como hino nacional do Catar, adotado em 7 de dezembro de 1996. Abaixo, segue, em tradução livre, esse poema:

 

Paz ao Emir

Eu juro, eu juro
Juro por Deus, que ergueu o céu,
Juro por Deus, que espalhou a luz,
Catar será sempre livre.
Sublimado pelas almas verdadeiras,
Com respeito às ações ancestrais
E seguindo os preceitos do profeta.

Em meu coração,
Catar é um épico de glória e dignidade,
Catar é a terra dos primeiros homens,
Que nos protegem em tempos de aflição,
Eles são as pombas em tempos de paz,
Eles são guerreiros em tempos de sacrifício.

 

A partir da década de 1970, houve uma grande produção catari de contos. Yousef Ni’ma lançou as duas primeiras coletâneas de contos, de nomes Bint Al-Khaleej (Filha do Golfo) e Liqa fi Beirut (Um Encontro em Beirute).

Kaltham Jaber foi a primeira mulher do Catar a escrever uma obra mais substancial, saindo das publicações apenas em jornal: foi uma coletânea de contos, em 1978, de título Ania wa Ghabat as-Samt wa at-Taraddud. Isso abriu espaço para outras mulheres também lançarem suas obras. Shu’a’ Khalifa e sua irmã Dalal Khalifa foram as duas primeiras romancistas do Catar a publicar suas obras. Seus romances centram-se em torno das restrições sociais enfrentadas pelas mulheres e da rápida transformação social pela qual o Catar passou desde a segunda metade do século passado.

As mulheres cataris vêm produzindo tanto quanto os homens, o que é admirável, tendo em vista ser o país um lugar com grandes restrições político-sociais.

A partir dos anos 2000, a maioria dos romances lançados explorou temas sobre mudança social, alienação cultural, dominação ideológica, inquietação diante do mundo e questões políticas, em gêneros ficcionais, ensaísticos e biográficos.

Surgiram também alguns romances históricos. Abdulaziz Al-Mahmoud se tornou, com o lançamento de Al Qursan, traduzido para o inglês como The Corsair (O Corsário), em 2011, o primeiro autor best-seller do país.

Analisar, portanto, a literatura catarense (catari ou catariana) é observar a mudança social do país, fruto de uma transformação econômica local. As vozes dos autores catarianos contemporâneos são as vozes de uma população que está passando por melhorias sociais, mas que deseja também lutar por vários direitos ainda não conquistados.

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Jason Lima

É professor de língua portuguesa e escritor, autor da "Gramática da Língua Portuguesa: análise e prática" e do livro de poesias "Por um fio", ambos lançados pela Editora Giostri.

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