Luz do dia
No fim da minha travessia, dois abutres
circulam o campo queimado.
Eles não são meus desejos. Nem o aldeão
que cuida dessa queimada é meu irmão,
ou um espantalho, embora eu esteja cansada
da distinção, salgada e leitosa
como uma parede mastigada que você confundiria
com o céu entre árvores.
Eu lembro do passarinho da filha da vizinha
enjaulado, como ele piscou para sua xícara de chá
inclinada — uma visão surge com certo
custo, mas sem lucro.
Se eu tivesse inclinação para rezar, eu rezaria.
Mas isso não é um sonho, ou uma saudação.
Nem é esse o sentido
que eu dou a mim mesma, quase derrubando minha
bicicleta pequena demais nessa estrada de terra
desse país que não é meu país.
Daylight
At the end of my crossing, two vultures
circle a burnt field.
They aren’t my wishes. Neither is the villager
who tends this burning my brother,
or a scarecrow, even though I am tired
of distinction, brined and milky
like a chewed wall you might mistake
for sky through trees.
I remember the neighbour girl’s tiny caged
bird, how he blinked at his tipped
teacup—a vision come at some
expense but little earned.
If I were inclined to pray I would pray.
But this isn’t a dream, or a greeting.
Nor is it the meaning
I give myself, nearly tipping my
too-small bike on the dirt road
in this country that isn’t my country.
Invocação
Depois, fica claro que uma tempestade
passou por aqui; nenhuma mentira se ancoraria.
Isso você poderia consertar, chegando
como um cata-vento, como o outono enganando em graus.
Entra uma mão fina em concha sobre
o céu como um remendo. Um trator
saindo de um campo enlameado.
O portão por atrás dele pende
pesadamente em sua única dobradiça restante.
No momento, nada que está aqui
voa para longe, e estou iluminada o bastante
por esta tola observação.
Invocation
Afterwards, it’s clear a storm
has been here; even a lie fails this mooring.
This you could fix, arriving
as the weathervane, as fall fools by degree.
Enter one fine hand cupped over
the sky like a patch. A tractor
pulling out of a miry field.
The gate behind it hangs
unwieldy on its one remaining hinge.
For the moment, nothing that is here
flies away, and I am brightened enough
by this dull observation.
Maldição
Há uma flecha
alojada sob minha sobrancelha.
Eu não posso ignorar uma flecha.
Nem posso balançar o animal como o inverno
que serpenteia ao redor do meu pescoço.
Ou o espaço debaixo
da minha escápula direita, onde o fazendeiro
arrasta um ancinho pelo feno.
Na grama alta ao longo da lateral, uma corça
mandou sua filha deitar e esperar.
A filha está tão bem e imóvel
que ela não se mexe, nem quando um trator
a atropela. Agora você sabe.
Dentro no meu corpo,
A criança manchada dorme.
Malediction
There’s an arrow
lodged under my eyebrow.
I cannot ignore an arrow.
Nor can I shake the animal like winter
that snakes itself around my neck.
Or the space underneath
my right shoulder blade, where a farmer
drags a rake through his hay.
In the tall grass along the side, a doe
has bid her fawn to lie and wait.
The fawn’s so good and still
that she won’t move, even as a tractor
runs her over. Now you know.
Inside my body
the spotted child is sleeping.
Filhas, filhas
A criança não está onde deveria.
A criança é uma névoa.
A criança é um país de veraneio,
uma visão de êxodo
depois de uma longa, obscura gravidez.
A criança é um navio distante,
um cômodo a se atravessar, perigosamente.
A criança dançava na asa daquele avião,
ligeiramente fora de vista.
Daughters, Daughters
The child is not where she ought to be.
The child is a fog.
The child is a summer country,
a vision of exodus
after a long, dark pregnancy.
The child is an outlying vessel,
a room to move through, danger-like.
The child danced on the wing of that plane,
just out of sight.
Busca
Eu só amei o suficiente se amei Eli.
Eu vagava com ele entre fogueiras, na sua persistência.
A frase escolhida por ele foi: daquele momento
em diante, dar voltas e voltas em um caminhão.
Sua respiração era como a chegada do vento à vela.
Eu era muito poderosa; cresci uma polegada inteira.
Algumas noites todos os meus ex-amores bebiam no bar.
As árvores dobravam seus dedos para cá.
Ou então, pedra tinha cor de pedra. Pavor era quase
favor — tocado e tocando-se. Certa vez eu passei
pela Estrela do Cão, carregando minhas saias de palha.
Finalmente construímos uma casa na qual nunca moramos.
Pursuit
I loved simply enough, if I loved Eli.
I wandered with him among fires, in his persistence.
His chosen sentence was this: from that moment
forward, to drive round and round in a flatbed truck.
His breath was like the coming of wind to a sail.
I was right mighty; I grew a whole inch.
Some nights all my ex-lovers were drinking at the bar.
The trees furled their fingers come hither.
Or else, stone was the color of stone. Fear was near
grace—touched and touched by itself. Once I moved
by the Dog Star, bearing my grass skirts.
Finally we built a house in which we never lived.
Ruptura, ou Meia-noite na pilha de lenha
Dentro da obscura maquinaria das estrelas.
Um vento enclausurado, recolhendo
Não neve, mas cinzas.
(Não estrelas, mas vazios)
Poupe-me do antes e do depois —
a recém-atingida
corça movendo-se desajeitadamente
no pasto.
Não importa do que você tem medo.
De que outra forma você explicaria
confundir angústia com paixão?
Rupture, or Midnight at the Woodpile
Inside the vague machinery of stars.
A wind can be private, gathering
not snow but ash.
(Not stars but hollows)
Spare me the before and after—
the just-struck
doe moving awkwardly
into the pasture.
No matter what you are afraid.
How else can you explain
mistaking angst for giveness?
Danielle Pieratti
é poetisa, tradutora e educadora. Ela é autora da coleção de poesia Fugitives (Lost Horse Press 2016), vencedora do Idaho Prize e do Connecticut Book Award de poesia e finalista do Hudson Prize e do Autumn House Poetry Prize
Ademar Soares Jr.
é professor e tradutor. Tem graduação em Letras-inglês/literatura e mestrado em Letras/literatura pela Universidade Federal do Piauí. Foi bolsista Fulbright do programa Foreign Languange Teaching Assistant (2020-2022) e deu aulas de português língua estrangeira na University of Connecticut por dois anos. Morou em Connecticut, nos EUA, onde também estudou tradução literária sob mentoria do professor e tradutor Peter Constantine. Recebeu um prêmio de destaque de tradução literária do departamento de Literaturas, Culturas e Línguas da University of Connecticut pelo trabalho desenvolvido. Além disso, dá aulas de inglês como segunda língua desde 2017.