O poeta francês Francis Ponge costumava dizer que descobriu a poesia como um método para fazer as coisas mudas falarem. Foi assim que escreveu “O partido das coisas”, obra em que se alegrava dando ao mundo formas arbitrárias e banais, tais como a esponja da sua banheira ou um buraco de fechadura com uma chave dentro. Em sua poesia, Ponge costumava resgatar não aquilo que brilha e salta aos olhos, mas aqueles objetos que costumam se perder na periferia opaca do olhar.
Talvez hoje, nas cidades, tenhamos restringido aos observatórios astronômicos o culto antigo de observação dos astros. As estrelas não ditam mais nosso destino, elas nos parecem mais opacas. Não apenas nossas casas e ruas iluminadas à noite ofuscam o seu brilho, como também nossos iphones e smartphones passaram a produzir constelações de outra ordem, em que um simples clique no touch screen concretiza a celebração de uma nova estrela, cuja existência não ultrapassa, por vezes, a casa dos segundos.
À medida que nossa codificação do mundo avança, acabamos nos afastando dos nossos referentes. No entanto, a poesia tem esse poder de nos fazer retornar, de provocar certos desmoronamentos na linguagem, a ponto de abrir fissuras nas palavras. A instalação “No útero da linguagem” brota dessas rachaduras comuns à poesia e à linguagem dos infantes. E faz dos escombros do termo “superstar” um possível abrigo e simulacro celeste, onde torna-se possível uma prosa do mundo, em que corpo, mente, palavras e coisas convivem e se desdobram no espaço, como um crochê alinhavado aos poucos.
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O ciclo das estações – Francis Ponge
Cansadas de se terem contraído todo o inverno as árvores de repente gabam-se de ser enganadas: soltam as suas palavras, uma onda, um vómito de verde. Tentam alcançar uma folheação completa de palavras. Tanto pior! As coisas arranjar-se-ão como puderem! E, na realidade, arranjam-se! Nenhuma liberdade na folheação… As árvores lançam, pelo menos é o que pensam, não importa que palavras, lançam caules para neles suspenderem mais palavras: os nossos troncos, pensam elas, aqui estão para tudo assumirem. Esforçam-se por se esconderem, por se confundirem umas nas outras. Julgam poder dizer tudo, cobrir inteiramente o mundo com palavras variadas: mas não dizem senão «as árvores». Incapazes até de reter os pássaros que delas voltam a partir, embora se alegrassem por terem produzido tão estranhas flores. Sempre a mesma folha, o mesmo modo de desdobramento, e o mesmo limite, sempre folhas simétricas umas às outras, simetricamente suspensas! Tenta mais uma folha! — A mesma! Mais outra! A mesma! Em suma, nada poderia pará-las senão de súbito esta observação: «Não se sai das árvores por meios de árvore». Um novo cansaço, e uma nova mudança moral. «Deixemos tudo isto amarelecer, e cair. Que venha o taciturno estado, o despojamento, o OUTONO.»
Ponge, Francis. Le parti pris des choses. Alguns poemas. Tradução de Manuel Gusmãos. Livros Cotovia, 1996.
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Lilian Maus
(1983, Salvador/BA) vive entre Porto Alegre e Osório/RS. É artista visual multimídia e investiga a fenomenologia da paisagem e as suas relações com patrimônio cultural. É Professora Dra. em Poéticas Visuais do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS.