Parecem acontecer menos coisas nas cenas de In the Mood for Love do que entre elas. “Não fizemos nada”, diz um amante a outro, ecoando a própria narrativa que se desenrola: uma valsa tímida, cautelosa e casta. Nada, efetivamente, parece ter acontecido entre os dois. E, no entanto, tudo que há de mais elevado no amor parece acontecer entre o Sr. Chow e a Sr. Chan. Ambos se mudam para a mesma pensão no mesmo dia, enquanto a esposa dele e o marido dela viajam. Mal sabem os dois que juntos. É óbvio que torcemos pela união de Chow e Chan, mas, por outro lado, receamos que essa união corrompa a pureza que nasceu da resistência deles ao impulso infiel ao qual seus companheiros sucumbiram.

Neste filme franco-honconguês escrito e dirigido por Wong Kar-Wai, o comedimento dos amantes parece esconder algo. “Não seremos como eles”, diz um amante a outro. Será porque nada de fato fizeram? Ou será que assim dizem porque desejam não apenas ocultar seu amor dos colegas, vizinhos e companheiros que os cercam, mas também de nós, espectadores, que os assistem?

Num rápido recorte inserido em uma das sequências do filme, vemos o casal num suntuoso quarto de hotel — supostamente antes de Chow compartilhar com Chan sua intenção de alugar o espaço para encontros privados. Essa aparente discrepância cronológica nos instiga a questionar, como amantes suspeitos ou ávidos por reciprocidade, se há algo além do que os sentidos contam.

A narração parece seletiva, mostrando o mínimo, como se tivesse o cuidado de não invadir o espaço íntimo do casal. Essa contenção ecoa a postura dos próprios personagens, discretos para esconder o quase-affair. Em determinado momento do filme, porém, uma cena é subitamente repetida em versões alternativas e com diferentes enquadramentos, revelando intenções reprimidas e palavras não ditas entre Chow e Chan. A narrativa, anteriormente marcada por sua natureza reservada, penetra no pensamento das personagens, inaugurando outra dimensão, mas nunca a revisitando. Por quê? Para introduzir a ideia do filme como um ambiente controlado de informações? Para sugerir que, se nos é entregue informações que não deveríamos ter acesso, poderíamos também ser privados de informações que deveríamos saber? E se o casal encena entre si (quando, por exemplo, atuam como seus parceiros) e para os outros (adotando a fachada de meros vizinhos), seria possível que também estivessem encenando para nós?

Como nas comédias românticas de Ernst Lubitsch e Billy Wilder, as personagens descobrem informações de forma indireta, através de índices (o chamado “Lubitsch Touch”, como descrito por Wilder). A descoberta da infidelidade por Chan se dá ao identificar a gravata que Chow usa, idêntica àquela do esposo dela. Igualmente, Chow desvenda a infidelidade ao perceber que a bolsa que Chan carrega é idêntica à de sua esposa. A gravata e a bolsa se tornam índices de traição. Detalhes assim ressaltam o processo cognitivo subjacente não apenas em alguém que suspeita de traição, mas também em alguém atento à reciprocidade no amor. O filme exige do público uma disposição similar, desafiando-nos a preencher as lacunas e discernir conexões de maneira ativa. Nas sequências de jantares, passeios e encontros secretos no hotel, por exemplo, é fácil passar despercebido pelo fato de que o casal troca de vestimentas — ela, notavelmente, variando a estampa de seu vestido, mas mantendo consistentemente o mesmo estilo — e tomar aqueles encontros que duram dias por um encontro de algumas horas. “Se você prestar atenção, perceberá detalhes”, afirma Chan ao comentar sobre a gravata de seu chefe, um sujeito que também trai a esposa. Nós, espectadores, somos recompensados pela mesma qualidade de atenção, a mesma que também conduz ao delírio de duas pessoas traídas ou apaixonadas.

Assistir a este romance é assistir a uma dança de quiçás (como canta Nat King Cole na trilha sonora) que nos priva de confronto, clímax e conclusão, mas que, ainda assim, nos prende e recompensa pela atenção dedicada (e delirante). O enredo da traição permanece suspenso num estado de ambiguidade, enquanto o do amor, na visão mais ingênua, permanece em sua forma platônica mais pura, em sua eterna situação de quase. Não há uma estrutura catártica que una os dois amantes virtuosos ou os separe de seus parceiros desleais. Os quases e os quiçás formam o ritornelo dessa música; além deles, há somente o esticar da nossa atenção.

Numa leitura menos imaginativa de In the Mood for Love, o saldo não é menos melancólico ou bonito. Os amantes investem uma quantidade considerável de tempo na companhia um do outro. Criam inúmeras oportunidades para a proximidade física e momentos íntimos. O amor deles, se não é combativo, é resistente, não sucumbindo aos impulsos fáceis da atração. Optam por não serem tão vulgares quanto seus parceiros infiéis, escolhendo nutrir seu afeto com reserva e autocontrole. Em vez de se lançarem de cabeça no romance e no sexo, põem as rédeas do orgulho no ímpeto cavalar da paixão, e assim preservam o aspecto mais delicado e delicioso do amor, que é a queda. Uma queda retratada não como um salto direto no abismo (the “fall” of “falling in love”), mas sim como uma graciosa valsa (o sempre presente “Yumeji’s Theme”), movendo-se em círculo, suspensa no tempo, guardada pelo segredo, sem perspectiva de atingir o chão.

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Caetano Barsoteli

é dramaturgo, poeta, tradutor e educador, além de cinéfilo inveterado. É autor da peça Mesa para um (em processo de publicação) e da coletânea de poemas em língua inglesa Poems because you hurt and others just because (2023; Amazon). Assina artigos sobre escrita teatral no blog dramaturgias.substack.com.

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