Vai-se um grande amigo: Frei Bruno Palma (1927-2021). Como padre dominicano, tradutor, linguista, filólogo e poeta, foi mestre de alguns e aluno dos mais ilustres pensadores de seu tempo. Até os seus 94 anos, cultivou a virtude da humildade de quem sempre procurou manter-se fiel à voz dos grandes nomes da poesia mundial justamente quando aqui tornava-se moda a fácil intervenção abusiva nas criações alheias. Frequentávamo-nos mutuamente, discutíamos filosofia, hermenêuticas de minúcias teológicas e os descaminhos das políticas culturais, inclusive sem limites de temas laicos e até eróticos. Sempre que possível, corrigíamos nossos poemas e ensaios em voz alta. Cheguei mesmo a gravá-lo em algumas leituras de seus poemas, editados caprichosamente por Plínio Martins Filho. Frei Bruno atravessou intensamente o fervilhar do século XX: conheceu Mário de Andrade muito cedo, fez pesquisas com Algidras Greimas na França, onde também assistiu Sartre e todas suas adjacências, fora educado pela elite mais rigorosa dos pensamentos tomista e aristotélico na Europa, enquanto no Brasil foi assistente de Antônio Houaiss e teve os originais das suas traduções Saint-John Perse anotados à mão por Paulo Rónai (aliás, guardo comigo uma cópia dessa peça de crítica genética como uma autêntica relíquia). Graças ao estímulo do também inesquecível Alfredo Bosi, publiquei, pela editora COM-ARTE/USP, o livro Bruno Palma, escolhedor de Palavras – ensaio sobre a arte o ofício de um tradutor, apresentado pelo Professor Jean-Pierre Chauvin nessa generosa resenha. Como se percebe, fiz questão de colocar o nome do tradutor no título da obra. À medida em que me sinto abalado por sua morte, considero-me também um privilegiado por ter tido acesso à obra de Bruno Palma, em parte inédita, tanto em poemas dele mesmo, quanto em suas traduções incluindo fantásticas excursões pela aurora do pensamento chinês no Ocidente. Aos que não puderam conhecê-lo, asseguro que ele ficou deveras contente em notar o seu reconhecimento em vida para além dos prêmios e láureas que recebeu. Muito pessoalmente, acredito ter cumprido um dever. Entre as suas muitas lições, Frei Bruno ensinou-me que é cada vez mais urgente cuidarmos da comunidade espiritual que pretende celebrar a vida da Palavra entre os que partiram e os que ainda hão de chegar. Glória e honra aos que souberam moderar o próprio tom para que quem tivesse o que dizer bem falasse e fosse ouvido. Descanse em paz, irmão.
Ivo de Souza Palma
nasceu em 1927, em Araraquara (SP). É conhecido pelo nome religioso, Frei Bruno Palma, da Ordem dos Dominicanos e assina suas traduções com seu nome literário Bruno Palma
Marcus Fabiano Gonçalves
(1973) é gaúcho e mora no Rio de Janeiro, onde é professor de Hermenêutica e Filosofia do Direito na Universidade Federal Fluminense – UFF. Em 2019 publicou Bruno Palma, escolhedor de palavras – ensaio sobra a arte e o ofício de um tradutor (ECA-USP).